A tragédia em andamento no Rio Grande do Sul, e os impactos humanos e econômicos são visíveis e incontáveis. E vão continuar aparecendo por muito, muito tempo.
Mas e os invisíveis? Como estamos e como vamos lidar com as emoções, agora e quando tudo isso passar? E a realidade é que não vai passar tão cedo. O desgaste emocional que estamos sentindo vai resultar em traumas como os de quem passou por uma guerra, se é que podemos comparar traumas.
A cadeia da tragédia está impactando com intensidade máxima quem foi diretamente atingido, chegando aos parentes, amigos, profissionais de saúde, voluntários. Irradia para cidades e estados vizinhos e extrapola as fronteiras do Brasil.
Temos familiares e amigos espalhados pelo mundo, e alguns entram em contato para saber notícias e como podem ajudar. Me emocionei quando uma senhorinha, que foi minha professora nos Estados Unidos em 2009 e com quem eu não falava há uns 10 anos, me ligou – sim, tem gente que ainda usa o telefone pra ligar. Ela queria saber como estávamos e o que poderia fazer para colaborar. Expliquei que eu não estou exatamente no local da tragédia, que minha mãe está, mas já foi evacuada, e agora está hospedada na casa de uma amiga querida e generosa. Sã e salva. Nos despedimos, desliguei e chorei pois sabia que não, não estamos a salvo, nem bem.
Não tem como ficar bem vivendo ou vendo o que está acontecendo. Não precisa nem abrir os olhos, porque sentimos a água gelando os pés, arrastando nossa comunidade, nossas casas, e dentro delas o passado e o futuro, nossas memórias e esperanças. Não tem como ficar bem.
As pessoas que estão passando por isso perderam tanto, e precisamos falar do que estão ganhando, mesmo sem querer. Ansiedade, angústia, pânico, depressão, tristeza profunda, isso só pra citar alguns. A gente vai precisar de muito mais que água, roupas, abrigo e reconstrução. Vamos precisar de muito suporte emocional para manter ou salvar a saúde mental, para aguentar o que está acontecendo e o que ainda está por vir.
Quando a água baixar, vamos precisar resgatar essa alegria pela qual somos famosos. A garra e criatividade que faz da gente um suposto objeto de estudo da NASA. O espírito comunitário que faz do mutirão e da festa da cumeeira uma instituição da engenharia e construção.
O churrasco de domingo nunca mais será o mesmo, mas isso não quer dizer que não vamos voltar a sorrir, ele só vai ser diferente.
Foto da Capa: Freepik IA-generated
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