Todos somos neurodiversos. Cada pessoa é única e diferente. Nossos cérebros e a forma como vemos e sentimos o mundo também são. A neurodiversidade é a ideia que está por trás do Dia do Orgulho Autista, comemorado em 18 de junho como eu contei na coluna da semana passada.
Como explica Ariana Carnielli, autista, feminista, programadora e integrante da Associação Brasileira para Ação por Direitos das Pessoas com Autismo (ABRAÇA):
Neurodiversidade é a ideia de que diferenças neurológicas como o autismo e o TDAH não são patologias que precisam de cura e sim diferenças naturais, variações possíveis do cérebro humano. A nossa existência é importante e enriquece a sociedade como um todo.
O conceito de Neurodiversidade foi criado há alguns anos pela autista australiana Judy Singer ao escutar uma frase que era comum em sua casa: “Por que você não pode ser normal uma vez na vida?”
O termo surgiu da reflexão provocada por esta pergunta e vê o autismo sob o prisma da diversidade, defendendo que as diferenças entre as pessoas são normais e inerentes à condição humana. O conceito contesta o sentido de normalidade e afirma que ser diferente é normal.
Sim, todos somos diferentes, mas algumas pessoas têm um desenvolvimento atípico, destoando dos padrões de “normalidade” estabelecidos em torno da maioria das pessoas: são os neuroatípicos ou neurodivergentes.
Esta nova postura ganhou a adesão entusiasmada de muitos autistas, em especial aqueles com maior desenvolvimento social e intelectual que transformaram a ideia em um movimento que começou com eles e foi incorporando outras pessoas, como aqueles que tem TDAH ou dislexia.
Voltando às palavras de Ariana Carnielli, o autismo é “parte integrante do que nós somos. Se tirassem o autismo de uma pessoa, ela não seria mais a mesma pessoa! Eu digo que o autismo faz parte da minha identidade já que permeia todas as minhas interações com o mundo, como eu penso e ajo em cada momento da minha vida.”
Os ativistas do movimento pela neurodiversidade opõem-se à aplicação do modelo médico de deficiência ao autismo e sua patologização. Nesse sentido, rejeitam a ideia de cura assim como tratamentos que busquem a “normalização”, pela eliminação de características individuais. Ora, não há cura para o que não é doença e nenhum médico sério falará em “cura para o autismo”. Um dos alvos preferenciais de protestos do movimento são os “tratamentos” milagrosos e sem base científica que proliferam na Internet, prometendo muitas coisas para seus clientes, mas causam dor e sofrimento para suas vítimas.
Contudo, é preciso cuidado: rejeitar o modelo médico não significa negar tratamentos médicos que busquem dar melhores condições de vida a quem está no espectro autista. Esse é um ponto importante: os “autivistas” desejam que a utilização de esforços e recursos públicos e privados priorize a inclusão dos autistas e a criação de redes e instrumentos de apoio às suas famílias.
O modelo da Neurodiversidade também propõe que o autismo seja considerado uma questão social e não individual. Assim, um aspecto importante de seu ativismo é propor políticas públicas que incluam os autistas na sociedade, não só por tratamentos de saúde, mas também educação, trabalho e os demais direitos de qualquer cidadão.
Para finalizar, é importante falar em protagonismo. O protagonismo está no lema “nada sobre nós sem nós”. Esse é um lema do movimento das pessoas com deficiência e exige que as pessoas falem por si mesmas. Exigem a presença de autistas na liderança das organizações dirigidas ao tema e nas discussões das políticas públicas direcionadas a esse setor.
A neurodiversidade encontra seus opositores entre eles estão aqueles vinculados ao modelo médico. Nesse modelo, a deficiência (e o autismo) são vistos como uma questão de saúde, onde o saber e a pesquisa médicos ocupam papel central. O foco são as terapias, sendo todas as demais circunstâncias consideradas secundárias.
A emergência desse ativismo gerou inúmeros conflitos também com pais de autistas, em especial aqueles com filhos autistas com necessidade de maior auxílio para realizar as atividades diárias. As organizações lideradas por pais colocaram o autismo em evidência, conscientizando a sociedade. Sua atuação primou pelo apoio e a busca de financiamento de pesquisas científicas que buscam a cura do autismo.
O conflito se estabelece em torno do confronto de prioridades: enquanto os ativistas da Neurodiversidade demandam políticas públicas de apoio ao cotidiano de autistas e suas famílias, as associações de pais dão maior importância às questões ligadas à saúde e tratamentos médicos.
Independentemente de qualquer discussão, a Neurodiversidade é uma ideia que veio para ficar em uma sociedade que, cada vez mais, valoriza a diversidade. Ela nos lembra que autistas não são piores nem melhores que ninguém, apenas diferentes. E que seus direitos devem ser respeitados, assim como os de todas as demais pessoas.