O tempo é um instante que dura uma vida. Acumulamos quem fomos, somos e seremos no nosso imaginário e refletimos nossa percepção pelas nossas ações e palavras. Como o mundo nos percebe é muito mais significativo do que o que pensamos de nós, e essa controvérsia é tão real quanto irrelevante. A busca cotidiana por praticar os ideais que escolhemos é o pilar, é onde precisamos estar atentos e firmes. A dedicação para nos desenvolvermos pelos nossos critérios é constante e desistir é apagar a luz da existência.
Outro dia, li que nosso cérebro nos faz parecer mais bonitos para nós mesmos do que somos para os outros. Quer dizer: quando me olho, vejo mais quem minha imaginação acha que eu quero ser do que quem realmente sou. E se no espelho minha cara é idealizada, me resta alguma certeza de que os impactos que acho que minhas atitudes geram também são. E piora. Enquanto lúcido, serei o que quero, como posso; mas o que fica será ainda mais distante de como eu me vejo (me crio, sendo pragmático), será o resultado da minha marca nos outros.
Somos como sonhamos e seremos como nos percebem. Não tá fácil! As ofertas de fórmulas prontas para tangenciar a desavença nos rondam. Locais divinos, momentos sublimes, luzes celestiais, toques mágicos, pessoas únicas, frases prontas, rezas fortes; tudo para alimentar a opinião favorável que nossa mente quer que a gente tenha sobre nós mesmos. Ditos, textos, frases, salmos, leis, dogmas, preparados por milênios para retroalimentar a angustiante busca pelo fim da angústia. Seguimos distraídos, deixando bonito nosso reflexo e confortável nossa alma. O que nos energiza e faz avançar, no entanto, é o pensamento, a hora em que somos sinceros com nosso íntimo. As emoções que nos levam às nossas certezas vão determinar o fim da busca.
No mundo dos dilemas, o que nos torna idênticos é que somos únicos. Tenho minhas bengalas preferidas, que me lembram quem quero ser, ou parecer; mas esses atalhos são meus, construídos na minha história. Cada um tem sua forma de chegar no seu lugar ideal e qualquer padronização para esse caminho é enganosa. Só eu sei o que preciso, pois só eu sei o que sinto. E tu, que lês, também. Somos sozinhos num universo coletivo. Na geladeira de casa, a frase (feita por ela, não pronta) de Simone de Beauvoir me incentiva: “O segredo da felicidade e o cúmulo da arte é viver como todo mundo e ser como ninguém”.
A incerteza nos faz livres para agir conforme o que acreditamos. Não podemos depender da impressão dos outros sobre nós; nem a nossa imagem no espelho controlamos. Ninguém é mais especial, importante ou necessário que ninguém. Nada nos espera, está guardado, prometido ou garantido. Tudo sobre nós é nossa responsabilidade, a dicotomia é parte e a convicção limitante. A vida se basta, que a usemos como sentimos.
André Furtado é, por origem, jornalista; por prática, comunicador, de várias formas e meios. Na vida, curioso; nos Irmãos Rocha!, guitarrista. No POA Inquieta, articulador do Spin Música.
Foto da Capa: Freepik
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