O mundo anda fragmentado e voraz. Talvez o problema seja meu, que estou ficando velho, mas cheguei oficialmente à parte da minha vida em que tenho dificuldades para desenvolver um pensamento complexo e atento sobre o noticiário da semana, até porque parece que o que não é catástrofe ou mais um capítulo da guerra híbrida que vai nos matar a todos de raiva ou de tédio é um assunto de nicho que só vai interessar a seis ou sete leitores – e provavelmente não os meus seis ou sete ou leitores, mas a outros que nem me leem. As coisas se sucedem numa voragem de redemoinho e quando parece que você está formulando um pensamento digno de nota, o momento já passou e o assunto é outro, tratado numa enxurrada de “hot takes” superficiais e formulados não pelo que possam contribuir para uma perspectiva diversa, mas pelo quanto de indignação podem provocar.
Nessas horas fica mais ou menos claro por que Rubem Braga era lírico, por exemplo, e mesmo com o mundo caindo ao seu redor (ainda que numa velocidade de decomposição bem menor do que a de hoje) podia se dar ao luxo de publicar quatro colunas inteiras sobre um voo de borboleta pelas ruas do Rio.
Não que eu quisesse ser Rubem Braga. A questão nem é de talento, que obviamente eu não tenho, mas de não achar nele muita coisa que gostaria de imitar. Ao contrário de Verissimo ou Millôr Fernandes, que eu também não consigo imitar, mas tento em qualquer oportunidade (que nem o Verissimo, eu sou de esquerda e boto umas piadas no meu texto. Infelizmente, elas não são engraçadas. E que nem o Millôr, eu também sou um escritor sem estilo – mas infelizmente, no meu caso é por pura incompetência mesmo).
Assim, hoje decidi ressuscitar um formato que experimentei numa crônica do ano passado em homenagem ao hoje cada vez menos discutido (perda nossa) Millôr (leia aqui). O referido formato é o dos meus aforismos peculiares que não levam a lugar nenhum, nem ao humor nem à reflexão, e por isso os apelidei carinhosamente de “Bolaforismos”: meu conjunto de bolas fora no jogo sofisticado da filosofia, sobre temas diversos o bastante para ter a certeza de que eu provavelmente vou me incomodar com várias instâncias do debate público. Divirtam-se (mas não contem com isso):
* A vida em sociedade é um emprego chato não remunerado em que você fica porque ninguém está mais contratando e ao menos o que você tem agora parece melhor que a única aposentadoria possível.
* Depois de certa idade, ter muitas felicidades pode te custar muitos anos de vida.
* Você talvez tenha tomado decisões erradas na vida quando é um falastrão que não cala a boca e ninguém oferece um puto pila pelo seu silêncio.
* Vi uma frase num adesivo de carro esses dias: “A vida me ensinou tudo o que sei”. O problema de uma frase como essa é que, por mais que seja verdadeira, nunca fica estabelecido de antemão nem o quê nem o quanto o cara sabe.
* Certa vez li um texto em que a Martha Medeiros dizia que detestava trocadilhos. Com direito a repetição do “detesto” com um ponto de exclamação na sequência. Sei lá… Escritor que detesta trocadilhos me passa a ideia de alguém que não gosta de se divertir no trabalho.
* A vida não tem rede social, mas sempre segue…
* Sejamos honestos: a caixa de comentários foi uma ideia boa e um sonho lindo, mas já passou da hora de trancar essas coisas e jogar a chave fora.
* Todo mundo conhece a passagem dos Vendilhões do Templo, parte da mitologia cristã na qual Cristo é mostrado sendo especialmente duro e até brutal com aqueles que haviam transformado em pátio de comércio a “casa de oração”. Nada disso, aparentemente, impede que muitas igrejas neopentecostais se transformem em verdadeiros Canais Polishop da fé.
* Sempre achei insólita a importância tradicional que instituições militares dão aos “primeiros da turma” – aqueles que, destacados dos demais nos cursos de formação, costumam ser os mesmos que se alçam aos patamares mais altos da carreira. Como a história vem dando provas, inclusive nos últimos tempos aqui no Brasil mesmo, talvez fosse o caso de começar a promover os da turma do fundão.
* Áudio de WhatsApp é um exercício unilateral de poder na gestão de um recurso não renovável: tempo. Custa menos tempo para alguém gravar um áudio do que para digitar. E a gente tem que ouvir tudo se quiser captar o básico, coisa que se poderia fazer numa leitura de dois segundos em texto. Traduzindo: quem manda áudio acha que o tempo dele vale mais do que o meu.
* Me parece que vivemos num tempo de “tirania da simplificação”. Tudo tem que ser explicado como a uma criança de seis anos, tudo tem de “cativar”, de “engajar”, postura que é claramente rescaldo da vaga implacável do avanço do entretenimento sobre todos os campos. Acho também uma ideia chata para cacete essa. Ser hermético e se refugiar no jargão é uma fraqueza, concordo, mas a complexidade também tem seu lugar e tempo.
* Claro, dito isso, não posso deixar de mencionar que mais de uma vez vi acadêmicos de outras áreas dizerem a outros acadêmicos oriundos do jornalismo (um deles eu mesmo), e não em tom de elogio, que o texto de um paper ou artigo estava “jornalístico” demais (significando que dava para ler e entender tudo, imagino, às vezes academia tem disso).
* Aliás, taí um tema para polêmica: algum jornalista na ficção literária é um bom repórter? Não consigo lembrar de nenhum, assim por alto. Alguns parecem nunca ter pisado numa redação de verdade.
* Considerando o quanto se discute a literatura brasileira contemporânea pelos termos do que ela deveria ser, vou eu também dar meu pitaco irônico: talvez o futuro imediato da literatura brasileira devesse ser mesmo enveredar por romances históricos ou por autoficções ensaísticas de 600 páginas, porque com qualquer outra trama que exija fabulação e enredo a realidade nacional e o noticiário político dão de goleada.
* George Orwell chamou seu romance mais conhecido de 1984 porque o concluiu em 1948 e inverteu os números para situar a narrativa num tempo futuro. Se esse foi o plano de Orwell desde o início, gosto de imaginá-lo correndo para concluir o livro de uma vez pensando: “Tenho de terminar essa merda antes de 1950”.
* Sally Rooney é uma autora muito popular entre leitores e até escritores contemporâneos. E sua obra é um indício forte de que eu talvez esteja velho demais pra lidar com a literatura como crítico. Pra mim continua sendo incompreensível que os livros dessa moça sejam discutidos e saudados como “LITERATURA”, com maiúsculas, e não como uma versão recente mais jovem das obras meio vazias da Marian Keyes.
* No fim, morreu. (Spoiler da vida).
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