Sente confortavelmente, espalme os dedos das duas mãos e pense na sua trajetória profissional. A seguir, a cada pergunta baixe um dedo se a sua resposta for afirmativa. Vamos lá?
1) Alguma vez você ouviu que ambientes de trabalho com mais mulheres são mais complicados de conviver e/ou gerenciar do que aqueles mais homens?
2) Você já desistiu de usar uma roupa para ir ao trabalho ou uma reunião por achar que poderia parecer sexy ou menos profissional do que gostaria?
3) Você já teve uma apresentação interrompida por um colega ou chefe sem licença?
4) Você já foi assediada por colegas e/ou chefia por meio de palavras, piadas, “mãos bobas”, ou de outras maneiras?
5) Você já foi preterida por um colega homem numa promoção?
6) Você tentou uma vaga de emprego, mas sentiu que não foi recrutada por causa da idade?
7) Você tentou uma vaga de emprego, mas sentiu que por causa da sua cor ou por causa do corpo fora do padrão, não foi recrutada?
8) Você sentiu medo de sair de licença maternidade ou de retornar da licença maternidade e perder seu emprego?
9) Você já se sentiu prejudicada no trabalho porque não conseguia ir aos happy hours e/ou jantares da equipe porque não tinha com quem deixar seus filhos?
10) Já recebeu cara feia quando precisou sair mais cedo para levar seu filho ou filha ao médico ou seus pais?
11) Já se sentiu constrangida em pedir para chegar mais tarde ou sair mais cedo ou não ir trabalhar porque estava com sintomas incapacitantes da TPM e/ou cólicas e não tinha condições de trabalhar.
12) Em algum momento da sua vida, ouviu comentários irônicos e jocosos do tipo “cólica é mimimi”, “só pode ser tpm”, “ela foi muito macho”, “deve tá na menopausa”, “tinha que ser mulher (quando há algo errado)”.
E então, sobraram quantos dedos? Na maioria das vezes quando realizo esse jogo com mulheres, poucos ou nenhum dedo sobra “de pé”.
E isso me faz pensar, até quando?
Penso que começamos a amadurecer uma mudança de atitude neste sentido. Neste ano, até agora, percebi dois sinalizadores importantes.
No mundo
Um, em nível mundial, foi o Prêmio Nobel de Economia concedido a Claudia Goldin, que recebeu este reconhecimento com base no trabalho em que deixa claro que o fator responsável pelas diferenças de remuneração, que persistem ainda hoje, não está nas diferenças de acesso à educação entre homens e mulheres. Hoje, nós, muitas vezes, continuamos recebendo menos do que os homens, até quando exercemos a mesma função, e apresentamos a mesma formação. O fato da mais importante premiação na área da economia ter sido dada não só a uma mulher, como a uma mulher que tem o estudo da desigualdade de gênero como foco de seu trabalho, entendo como um sinalizador da Academia para algo que o mundo todo precisa prestar atenção.
No Brasil
O outro sinalizador importante, em nível nacional, foi o tema da prova de redação do ENEM , “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”. já que um dos motivos levantados pela desigualdade de gênero no mercado de trabalho, como bem ilustrado pelas perguntas acima, é porque somos entendidas como as responsáveis pelo cuidado de filhos, dos pais, da casa, do relacionamento amoroso e tudo o mais que se referir ao ambiente familiar e doméstico. Fruto dessa naturalização, dados da PNAD Contínua mostram que as mulheres dedicam durante a semana 9h36 a mais do que os homens para atividades não remuneradas. Sem remuneração, pois nem considerado trabalho é, supostamente feito por amor, e “naturalmente” feito por nós porque, afinal, somos mulheres (esta frase contém ironia). É extremamente positivo que milhares de pessoas tenham necessitado parar para pensar e escrever a respeito. Será que alguma vez na vida tinham feito isso? Sem falar em toda a repercussão desse tema nos jornais, sites, tvs, cursinhos por aí afora.
Como nos fortalecer
Sempre sugiro para as mulheres que se (re)unam, e façam aquilo que sempre fizemos de melhor, troquem suas histórias, experiências e conselhos. Entender que o que passamos não é algo pessoal para não nos culparmos por tudo. O que é muito comum! Não consegui chegar no horário porque tive que levar o filho ao médico? Culpa minha! Não consegui aquela vaga porque já estou velha? Culpa minha! Fulano foi promovido mesmo eu apresentando mais resultados do que ele? Culpa minha, não fui a tantos happy hours quanto ele!
A nossa parte com o futuro
Na sequência e, talvez, tão importante quanto: mães, eduquem seus filhos homens para o cuidado. Com isso, não me refiro ao cuidado com carrinhos e bolas. Mas ao cuidar da casa, arrumar a cama, limpar o banheiro, lavar e secar a louça, passar roupa, cuidar de seus irmãos. Uma pesquisa realizada com meninas entre 06 e 14 anos, em 2015, apresentava que a desigualdade iniciava muito cedo, posto que 81,4% das meninas relataram que arrumam a própria cama, tarefa que só é executada por 11,6% dos irmãos meninos. 76,8% das meninas lavam a louça e 65,6% limpam a casa, enquanto apenas 12,5% dos irmãos lavam a louça e 11,4% limpam a casa.
É fundamental também a gente educar os meninos para o cuidado de si mesmos, despertando-os para o mundo interior, entendimento das suas emoções e do outro, para a empatia. Isso os fará adultos preparados, assim como nós mulheres somos – desde que nascemos até a nossa adolescência – a ter o cuidado como se fosse algo naturalizado na gente. Deste jeito, em vez de ter homens que “ajudem” sua companheira, estaremos educando homens que dividirão a vida com ela e que saberão – inclusive – nos cuidar, quando envelhecermos.
A diminuição da desigualdade de gênero não depende apenas de mim ou de você resolver.
O Fundo Monetário Internacional – FMI, afirma que em países com maior desigualdade de gênero, uma redução da disparidade de participação entre homens e mulheres na força de trabalho poderia traduzir-se num aumento médio do produto econômico de 35%. Então, para o bom capitalista, sempre é bom frisar que a equidade de gênero produz crescimento e bons negócios. Claro que para gerar um resultado como esse, são necessários investimentos e iniciativas e também é necessário compreender que homens precisarão ceder espaços, para que um novo equilíbrio se estabeleça. Essa é uma das razões pelas quais eles necessitam participar desse processo para entender que assim como perderão privilégios, ganharão em outras áreas de suas vidas.
Entre as medidas necessárias para incentivar a equidade de gênero, estão a inclusão da educação sobre equidade de gênero nas escolas, o acesso universal a creches, recrutamento e remuneração paritária entre homens e mulheres, acesso de mulheres a cargos de liderança (estudos realizados em empresas da fintech e do setor corporativo, estabeleceram uma correlação entre o número superior de mulheres em cargos de liderança e o maior desempenho e rentabilidade registrados nos respectivos setores).
Isso é o suficiente?
É provável que não. Cada realidade tem suas características e contexto, e tudo é construção e pede tempo. Por essa razão, realizar a escutatória é uma condição importante para o sucesso de qualquer trabalho. Estamos na caminhada, hoje melhor do que ontem, isso é animador.
Dicas de Filme
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- Jogo Justo – Um casal feliz, apaixonado, que trabalha na mesma empresa, em início de carreira. Até que um deles é promovido. Mais eu não conto para não dar spoiler desnecessário. Drama/Suspense. Na Netflix. Direção de Chloe Domont, com Phoebe Dynevor e Alden Ehrenreich.
- Tia Virgínia – Uma mulher de 70 anos, que nunca se casou, foi convencida pelas irmãs a deixar a vida que tinha para cuidar dos pais. Agora, ela se prepara para receber a família para o Natal. Drama/Comédia. Assistir nos cinemas. Direção de Fabio Meira, com Vera Holtz, Arlete Salles, Louise Cardoso.
Foto da Capa: Arquivo / Agência Brasil