Para a crueza terrível de um laudo, nada de buscar a IA. Só afundaria o corpo já meio submerso de realidade. Esta é a hora em que precisa de uma Inteligência Verdadeira, também conhecida como empatia. Por isso, o Dr. Renato Roithmann fez questão de me ligar à noite. Desprovido de algoritmos, puro afeto improvisado no encontro temeroso entre os mundos dos vivos e dos mortos, salvou a noite dos fantasmas mais hipocondríacos ou mesmo realistas.
Ele sabia dos riscos de pedir um exame sofisticado de imagem para um 60 mais, grupo no qual se inclui, e que é formado por aqueles que não são aprovados com louvor em nenhum exame laboratorial. Longe disso. Sempre haverá um desvio, uma anormalidade, um cálculo fora da curva, frutos do desgaste nos materiais que existem há um tempo demasiado. E, a partir de qualquer exame, sempre haverá uma bronca para ser acompanhada pelo novo tempo. Pode ser uma mancha, pode ser um nódulo, pode ser um número exilado da média esperada para os 40 menos.
Pois não deu outra no laudo daquele pulmão que ainda era o meu. Explicava palavra por palavra porque eu estava acamado há sete dias, com uma tosse de tenor e uma cor de criança assustada. Mas a sua linguagem era rústica, destemida, com direito a combater todas as lisuras da normalidade: placas nas artérias, saliências nos parênquimas, estreitamentos não sei onde, labirintos de caminhos diagnósticos duvidosos. Espantava era o paciente ainda estar vivo para ler aquelas conclusões com ares de atestado de óbito, como costumam parecer os resultados laboratoriais de um idoso.
Mas o Dr. Renato, na contramão de todos os laudos, na contracorrente de todos os laboratórios, comemorou: não havia pneumonia, seu medo maior para um 60 mais. O resto, segundo ele, era a retórica do tempo, pronta para ser desfeita por um antialérgico potente, uma hidratação cuidadosa, três dias a mais de um antibiótico para a infecção da via aérea superior e depois um acompanhamento sereno do que ficasse para trás.
Era mesmo uma guerra de versões entre um laudo sábio e um humano que sabia o quanto as marcas do tempo não significam que o tempo terminou. Sim, há ainda crepúsculos para contemplar e laudos para desconstruir. E depois acusam os psicanalistas de exagerarem na subjetividade quando cavam com o outro alguma versão mais arejada, essa que só pode vir de uma inteligência verdadeira, ou seja, de um ser humano humano a ponto de devolver o sono para as velhas noites e o sonho para os novos dias.
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