Em 9 de agosto, celebra-se o Dia Internacional dos Povos Indígenas. A data foi criada pela Organização das Nações Unidas (ONU), em 23 de dezembro de 1994, em referência ao dia da primeira reunião do Grupo de Trabalho das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, ocorrida no ano de 1982.
Segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), os povos indígenas vivem em todas as regiões do mundo e possuem, ocupam ou usam cerca de 22% da área do globo terrestre.
Com pelo menos 370 a 500 milhões de pessoas, eles representam a maior parte da diversidade cultural do mundo. Os povos originários falam a maioria das 7.000 línguas e somam 5.000 culturas diferentes. Também compartilham problemas comuns relacionados à proteção de seus direitos. Muitos continuam a enfrentar a marginalização, a pobreza extrema e outras violações dos direitos humanos.
Em nosso meio há sementes de alento. Na voz corajosa da jornalista e escritora gaúcha Eliane Brum; na potência cada vez mais presente e legítima de ativistas indígenas. São exemplares, entre outros, Raoni Metuktiri, Davi Kopenawa, Sônia Guajajara, Célia Xakriabá, Daniel Mundukuru e Ailton Krenak, este sendo o primeiro representante na emblemática Academia Brasileira de Letras.
Confesso que não fui uma criança inocente, “matei” muitos índios. Muito influenciado pelos filmes do Rin-Tin-Tin. Quando eu tinha a idade do Cabo Rusty, sonhava em ter um Forte Apache. Igual ao do Julio César. O pai dele, o Seu Breno Wulff, era o responsável pelo cineminha do Sesi. Colocava o projetor sobre o teto do seu DKW-Vemaget e projetava na parede de nossa casa, no largo da estação ferroviária. Em noites mágicas, o povo descia o Morro da Formiga, com cadeiras de palha trazidas nos braços, e acomodava-se para assistir às sessões gratuitas. Tínhamos o nosso Cine Paradiso, na Taquara do Mundo Novo. Mas isso já é outra história.
Com o advento da TV no Brasil, a programação era pródiga em seriados que exaltavam o heroísmo de “mocinhos”, principalmente contra selvagens – absoluta e convictamente selvagens – ou mexicanos ensebados.
Cisco Kid, Roy Rogers, Pat Boone, Bat Masterson, Gunsmoke, Bonanza. David Crocket, a lista vai longe. Dentre esses, The Lone Ranger, o cavaleiro solitário. Para nós, brasileiros, chamava-se Zorro (não confundir com Dom Diego de La Vega, de outro seriado clássico). Um cavaleiro mascarado, nem tão solitário; estava sempre acompanhado de seu fiel companheiro indígena, Tonto.
Ainda lá pela década de 60, os vidros de Toddy traziam de brinde um bonequinho plástico de um índio. Eram vários modelos, quem completasse os doze podia trocar por um Forte Apache. Conseguir juntar todas as figuras só não era mais difícil do que executar os doze trabalhos de Hércules. Nunca gostei de leite, mas me obrigava a tomar o achocolatado para tentar ganhar o meu. Não tive esse sucesso, mas isso já não é mais uma frustração.
Foi por referências dessa ordem e por algumas notícias sobre os sertanistas Irmãos Villas-Bôas e histórias do Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, falecido alguns anos antes, que sabíamos sobre índios nas profundezas do Brasil. Ao mesmo tempo, em que fomos aprendendo a achar que os nossos remanescentes, chamados de bugres, não passavam de preguiçosos, ardilosos e bêbados inveterados. O resto, com certeza, herdamos de toda uma narrativa preconceituosa, importada da cultura norte-americana.
Assim, com desencanto e a dor provocada por imagens do sofrimento, que, ocasionalmente, nossos noticiários mostram, chegamos a outro aniversário desse Dia Internacional dos Povos Indígenas. Em nossa pátria, da grande floresta, das reservas tomadas pelo garimpo ilegal, impera o descaso e a falsa inocência pueril de quem poderia agir com mais determinação e humanidade. E sobra criminosa intenção.
Não faltará nesse dia, alguém que vocifere que os povos originários devem comemorar e agradecer muito pelos avanços conquistados: – Nós temos muito a celebrar! – dirá com ênfase um hipócrita qualquer.
Isso remete a uma expressão muito repetida e pouco conhecida em sua origem. Tem mais ou menos a minha idade, vem também do tempo de infância.
Contava-se que Zorro e Tonto, em um episódio do seriado, viram-se encurralados por índios sioux de um lado e comanches, apaches e moicanos por todos os outros lados. Quando se dá conta que a munição acabou, Zorro sentencia: – “Nós estamos perdidos, Tonto!” Naquele momento, Tonto, que de tonto só tinha o nome, capricha na pose e no sotaque e retruca: – “Nós quem, cara-pálida?”
Dá para ouvir o coro gigantesco de milhões de vozes silenciadas, ao redor do vasto mundo: – Nós quem? Celebrar o que, cara pálida?
Foto da Capa: Reprodução
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