Aí, um amigo me manda um vídeo do Zeca Pagodinho cantando Comunidade Carente, música lançada em 2003. (Dá para ver AQUI)
É assim, ó:
Eu moro numa comunidade carente
Lá ninguém liga prá gente
Nós vivemos muito mal
Mas esse ano nós estamos reunidos
Se algum candidato atrevido
For fazer promessas vai levar um pau
Vai levar um pau prá deixar de caô
E ser mais solidário
Nós somos carentes, não somos otários
Prá ouvir blá, blá, blá em cada eleição
Uma certeira cadeirada retórica com duas décadas de antecedência. Os resultados das pesquisas atestam – já há várias eleições – a veracidade e a atualidade dessa canção, composta há mais de 20 anos. Quanto mais conhecem os candidatos, mas os eleitores os rejeitam.
Fossem realmente sérios, os líderes, aliás, líderes não, os chefes dos partidos políticos já teriam tomado alguma providência a partir desses insights. Já teriam adotado sistemas de comunicação permanente com as comunidades e, principalmente, com seus filiados a fim de inverter essa tendência para quanto mais conhecidos ficarem mais respeitados sejam.
Mas não… fazem exatamente o que Zeca Pagodinho verbaliza em nome de todos nós: só aparecem em cada eleição e cheios de blá, blá, blá. Alguns, e esses são os piores e os que menos conhecem a alma do povo, se apresentam fantasiados de não políticos. Fazem todo tipo de promessa, chegam a orar como pastores e garantir que, com a força da mente, todos podem ficar ricos.
Mas o eleitor os vê bem através da máscara e eles acabam sendo os primeiros… na fila dos mais rejeitados. Afinal, como diz Zeca Pagodinho, nós somos carentes, não somos otários, “prá ouvir blá, blá, blá” em cada eleição.
Muitas siglas, poucos partidos
Aqui vai o que Nelson Rodrigues chamaria de óbvio ululante: fazer política é mais do que atuar dentro das paredes das Câmaras de Vereadores, das Assembleias Legislativas e Distrital, do Congresso Nacional. O Brasil tem 29, ou 30, partidos registrados no TSE. Sabe quantos filiados têm esses 30 partidos? Um pouquinho mais de 16 milhões. O que tem mais é o MDB e eles não passam de dois milhões filiados. Em segundo lugar, vem o PT com apenas 1,6 milhão. O Brasil tem 156 milhões de eleitoras e eleitores.
São 156 milhões de pessoas cada vez menos mobilizadas a participar da política, cada vez mais descrentes da importância do voto. Só mais uns numerozinhos. A eleição municipal de 2020 registrou recorde de abstenção. Naquele ano (tudo bem, vamos dar o desconto da pandemia de Covid-19) 23% dos eleitores, 36 milhões de mulheres e homens não votaram no primeiro turno. Nas cidades onde houve segundo turno, a abstenção chegou aos 19,47%, ou 46 milhões de eleitores. Some a isso os quase 4% de votos em branco e os 8% de votos nulos e veja quanta gente está pouco ligando para quem vai administrar as cidades…
Agora, se você conhece um desses filiados aos partidos políticos, pergunte quantas vezes ele foi chamado a conversar com os dirigentes, a participar de alguma reunião para discutir o país, dar sugestões, debater os problemas do bairro, da cidade, do estado, do país… É quase certo que a imensa maioria nunca tenha sido convidada para nada…fora de época de eleição, é claro.
Muito mais conjuntos de letrinhas, que abrigam defensores de interesses setoriais, regionais e até individuais, do que organizações políticas com ideologia definida, agenda de estado, projeto de país, os partidos políticos parecem, ou fingem, desconhecer a importância da comunicação nestes tempos de redes sociais, de interação em tempo real.
Imaginam que só esses dois meses antes de cada eleição, quando lhes é entregue o palanque eletrônico do Rádio e da TV, são suficientes para fazer o povo acreditar em tudo o que prometem.
Enquanto os partidos – os sérios, obviamente – não se convencerem de que, para fazer política, precisam mais do que dinheiro do orçamento (para obras que muita gente nunca vê), discursos nos plenários, peças marqueteiras bem produzidas para garantir votos, o eleitorado estará à mercê dessa gente que – de dois em dois anos– aparece por aí pedindo para a gente fazer M na eleição.
Eu ainda acredito que as lideranças políticas – as verdadeiras, claro – vão, a partir da eleição deste ano, se convencer de que a comunicação com a sociedade tem que ser permanente. O que falta para os marqueteiros políticos serem acionados e ajudar a fazer política decente nas redes sociais, espaço, hoje, ocupado por todo o tipo de picareta?
Será que não temos lideranças progressistas, modernas, para fazer frente a esses reacionários atrasados que continuam enxergando comunistas – como se ser comunista fosse um crime – em cada um que lhes conteste e destilando preconceitos até criminosos?
O povo sabe discernir. Entende o que é bom, o que é verdade, o que é mentira. Como o que temos hoje, em boa parte das cidades, é uma disputa entre o ruim e o menos ruim, o povo vota naquele que vai fazer menos mal…
O eleitorado paulista já mandou seu recado: o candidato do caô já é o mais rejeitado. Afinal, como diz Zeca Pagodinho, o povo é carente, mas não é otário.
Aí, lideranças – as sérias, claro –aproveitem a cadeirada melódica do nosso sambista, deixem de caô e comecem a fazer política decente o ano todo.
Foto da Capa: Divulgação
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