Por muitas décadas, os costumes dos nossos antepassados permaneceram quase que inalterados, mas em três décadas recentes ocorreram grandes mudanças. Na década de 60 surgiu o movimento hippie e a luta das mulheres por liberdade. A década de 70 foi marcada por protestos contra a ditadura e pela anistia. Na década de 80, surgiram o PT, CUT, MST e a campanha pelas Diretas Já. Nestas três décadas houve o crescimento exponencial do consumo. Nos anos 90, o Brasil e o mundo eram completamente diferentes do início dos anos 60. Quem pertence as gerações Baby Boomers (nascidos entre 1946 e 1964) e Geração X (nascidos entre 1965 e 1980), acompanhou estas mudanças. Cada geração deixa o seu legado para as próximas, mas sempre tem algo do que se envergonhar. Ao mesmo tempo que ocorria a conscientização política e o desenvolvimento tecnológico, se consolidou um modelo sociedade baseado no consumo e ainda persistem práticas antigas que eram socialmente aceitas, das quais hoje nos envergonhamos. Se nós pudéssemos, creio que não as contaríamos para os nossos filhos e netos.
Que práticas eram estas? Lembro que quando era criança a meninada usava funda (bodoque) para matar passarinho, pelo simples prazer de acertar a pontaria. Nas cidades do interior passavam circos muito pobres, mas que tinham leões, tigres, elefante e outros animais malnutridos. Alguns aceitavam gatos como pagamento do ingresso. A gurizada saía caçando gato pelas ruas para poder ir ao circo e, mal sabiam eles, que o tal gato seria a janta do leão. Difícil de explicar por que deixamos de consumir alimentos saudáveis e nos encantamos com o “American Way of Life”, com a praticidade dos congelados e dos “alimentos duráveis”. Fumar dentro de casa com o filho no colo não espantava ninguém e raros eram os pais que sabiam trocar as fraldas dos filhos. A geração Z (nascidos entre 1997 e 2010) não entende por que as pessoas faziam isto.
As mudanças ocorridas vêm se acelerando e obviamente que nas próximas décadas os comportamentos serão muito diferentes dos dias de hoje. Imagino os nossos netos contando para seus filhos como eram hábitos dos seus pais e avós. Quais comportamentos serão considerados eticamente incorretos ou inaceitáveis pela geração dos anos 2050? Será que dirão que fomos a geração que mais consumiu os recursos naturais e que poluiu o meio ambiente?
Provavelmente, lá por 2060, uma criança não irá acreditar que na década de 2020 seus pais e avós se sentiam tristes, depressivos e ansiosos ao usar as redes sociais, mesmo assim passavam muitas horas do dia conectados. Como explicar que as pessoas mantinham relações tóxicas que afetavam a sua saúde mental? Por que as pessoas tinham conhecimento dos efeitos negativos sobre a sua saúde e continuavam consumindo alimentos ultras processados? E o uso excessivo de medicamentos? Como explicar que o Brasil era conhecido por ter um povo alegre e comunicativo, ao mesmo tempo que era campeão mundial no consumo de ansiolíticos?
Enfim, cada geração tem as suas conquistas e as coisas de que se envergonham. Não podemos evitar de conviver com os costumes da atualidade, mas ao nos darmos conta de que não são saudáveis ou que eticamente não estão de acordo com os nossos princípios, podemos marcar o território e mostrar para nossos filhos e netos o que não pactuamos. Eu nunca matei passarinho e nem entreguei gato para o circo, mas faço o “mea culpa” pela minha geração estar deixando o aquecimento global como legado para as próximas gerações. Provavelmente os nossos bisnetos irão cobrar dos nossos netos o mundo que receberam e eles dirão que isto foi obra dos seus avós e bisavôs. As nossas fotos e memórias, se ainda existirem, serão deletadas. Para que este cenário não se concretize, teremos que fazer muito em pouco tempo, ou seremos conhecidos como os vovôs malvados.
Foto da Capa: Cookie Studio / Freepick