Eu vivo no meio acadêmico, mas convivo com pessoas de outros meios e percebo que quase todos se sentem donos das suas ideias. Eu também pensava assim, até que comecei a ler e ouvir sobre filosofia e neurociência e percebi que os meus pensamentos raramente são meus. O que precisaria para eu ter direitos autorais sobre um pensamento? Posso responder a mim mesmo fazendo algumas perguntas: eu vivi este fato? Refleti sobre ele, elaborei e testei as hipóteses? Escolhi a hipótese que é o resultado da minha reflexão? Se não fizer este processo, estarei comprando pronta uma ideia. Como não temos tempo para fazer isto, então preferimos comprar as ideias que nos oferecem e que estão alinhadas com os nossos valores.
A filósofa Lúcia Helena Galvão chama a atenção ao fato de as pessoas odiarem uma personalidade pública num dia, no outro dia adoram e mais adiante voltam a odiar. Seriam estes sentimentos reais? Na verdade, estamos seguindo a moda, os pensamentos coletivos não são nossos, foram inventados por alguém. Ela destaca que a maior parte do que pensamos são suposições, projeções que fazemos. Quando vemos outra pessoa, projetamos uma opinião sobre ela. Outro exemplo típico é o da pessoa que se sente perseguida e imagina que os outros não irão gostar da sua presença em determinado local ou irão observar o seu modo de vestir. Ela imagina que o mundo todo não tem mais o que fazer, só se preocupa com ela.
Encontrei nas falas do neurocientista Fabiano Moulin a mesma linha de argumentação. Ele explica como o cérebro funciona e cita o “Efeito Dunning-Kruger” que mostra a diferença entre o conhecimento que uma pessoa tem do que ela imagina que possui. Diz que o momento em que temos mais certeza sobre algum assunto é quando aprendemos de 3 a 10% sobre este tema. Quanto mais aprendemos, mais dúvidas vão surgindo. O expert tem mais dúvidas do que o principiante. Nós ignoramos a nossa ignorância, confundimos familiaridade com conhecimento.
Nós costumamos confiar no que ouvimos, vemos e sentimos. Acreditamos que os nossos sentidos refletem a realidade. O Dr. Fabiano afirma que não, que o som e a cor não existem no mundo, o que existem são frequências de ondas e espectro da luz visível, que os nossos ouvidos e olhos captam e que o nosso cérebro decodifica. O cachorro ouve sons que nós não ouvimos, a águia enxerga coisas que nós não vemos. Ele diz ainda que não existe gosto na comida, mas sim células epiteliais na língua que percebem as diferenças e nos proporcionam uma sensação que chamamos de gosto. Por isto o gosto varia de uma pessoa para outra.
Quando discordamos de alguém, geralmente consideramos que o outro está errado e isto tem sido o motivo de muitos conflitos. O Dr. Fabiano Moulin diz que é bom para o cérebro aprender a conversar com quem está em desacordo, desde que estejamos abertos a aprender e não a convencer o outro que ele está errado. A dica para estas situações é começar a conversa sincronizando as emoções e saber por que estão tendo esta conversa. Por exemplo, se o desacordo é sobre política, verifique se as duas pessoas estão preocupadas com o que é melhor para o Brasil. É importante ter consciência de que as nossas crenças são muito mais fundamentadas nas nossas emoções, no contexto em que vivemos e na nossa história do que na razão. Portanto, é preciso tentar entender por que a outra pessoa acredita no que acredita. Por fim, o neurocientista alerta para a necessidade de termos um sistema educacional e uma mídia que valorizem o “não sei” e a diversidade de ideias, mostrando que não existem ideias sagradas.
O nosso cérebro não procura a verdade, ele busca coerência da informação recebida com o que a pessoa acredita. Ele prefere a informação que lhe faz bem. O fato de alguém acreditar muito numa coisa, não significa que ela seja verdadeira. A sua razão não é um juiz imparcial, ela funciona como um advogado que busca argumentos para justificar a defesa da sua tese.
Recomendo muito aos queridos leitores ouvirem os podcasts e vídeos indicados a seguir. Espero que em algum dia possamos fazer a reflexão necessária para termos mais autoria nos nossos pensamentos e que tenhamos a consciência de que é a dúvida que nos faz crescer. A certeza é um estado da mente a respeito de uma proposição, não necessariamente uma verdade.
“Quem sabe, se juntarmos nossas dúvidas não formamos uma certeza!” (Clarice Freire)
>Ideias próprias ou manipulação? Trecho da aula sobre IMAGINAÇÃO – Lúcia Helena Galvão, Nova Acrópole. Clique aqui
>Quem Somos Nós? Episódio 134 – Neurociência – Fabiano Moulin. Clique aqui
>O que define as nossas crenças? – Fabiano Moulin – Clique aqui.
>Interação com a realidade: uma ilusão contínua – Fabiano Moulin – Clique aqui.