Chegou ao fim. Falta agora apenas a sanção presidencial para que o arcabouço fiscal criado pelo Governo Luiz Inácio Lula da Silva enterre de vez o teto de gastos, criado há mais de seis anos, estabelecendo a nova regra para as contas públicas que prevê o crescimento das despesas acima da inflação. O projeto de lei do Executivo já havia sido aprovado pela Câmara em um primeiro momento (em maio), tendo voltado para a análise dos deputados após modificações feitas pelo Senado (em junho). Por já ter passado pelas duas Casas, o texto segue agora para sanção presidencial.
Na sessão da Câmara da última terça-feira, foram discutidas principalmente as emendas ao texto oriundas da Casa vizinha. O governo conseguiu apoio de 379 deputados em uma votação sobre um primeiro bloco de emendas e 423 em outra, sobre um segundo bloco. Os números seriam suficientes para aprovar uma PEC (proposta de emenda à Constituição), cujo mínimo é 308 votos. Como o texto é um projeto de lei complementar, eram necessários, no mínimo, 257 votos dos 513 deputados.
A nova regra foi desenhada com a promessa de garantir mais recursos para políticas públicas e ao mesmo tempo reequilibrar gradualmente as contas do governo, que entraram no vermelho em 2014 e, desde então, só exibiram resultado positivo em 2022. A proposta determina que as despesas federais vão crescer todo ano de 0,6% a 2,5% em termos reais (além da inflação). O percentual vai variar dentro desse intervalo de forma proporcional às receitas obtidas pelo governo, ou seja, quanto maior tiver sido a arrecadação, mais será possível gastar.
Uma vez assinado por Lula, o texto dará fim ao congelamento de gastos criado no fim de 2016 por Michel Temer (MDB). A extinção automática do teto no ato da sanção do arcabouço é prevista pela PEC criada ainda na época da transição de governo, em 2022. Na versão final do arcabouço, os deputados descartaram algumas alterações feitas pelos senadores e retomaram parte da redação que havia sido previamente aprovada por eles em maio, que torna as regras do arcabouço mais rígidas do que o texto original do governo.
No desenho aprovado pela Câmara, ficam fora das limitações gerais o Fundeb (Fundo de Manutenção da Educação Básica) e o FCDF (Fundo Constitucional do Distrito Federal). Os deputados recolocaram as despesas com ciência, tecnologia e inovação dentro das regras fiscais. Quando o texto passou na Câmara pela primeira vez, Fundeb e Fundo do DF estavam dentro dos limites do arcabouço. O plenário da Casa, portanto, acatou a mudança feita pelo Senado.
As alterações no Senado forçaram que a proposta passasse mais uma vez pela Câmara, e o deputado Cláudio Cajado (PP-BA), que já havia sido responsável pelo relatório na primeira aprovação na Casa, negociou com o governo a versão final. A Câmara também rejeitou uma proposta do governo que permitia ao Executivo enviar o PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2024 com cerca de R$ 32 bilhões em despesas condicionadas à aprovação de um crédito suplementar, para incorporar o efeito da inflação maior ao fim do ano sobre o limite para gastos.
O dispositivo havia sido fruto de uma solução costurada pela ministra Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) para evitar o corte que poderia comprometer projetos do novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento). Essa saída foi sugerida após uma manobra da equipe econômica no texto ter sido desmontada. Inicialmente, o governo havia proposto que o limite de despesas do novo arcabouço fiscal seria atualizado pela inflação calculada de janeiro a dezembro do ano anterior, o que daria um espaço extra para os gastos em 2024, já que o IPCA do encerramento deste ano deve vir maior do que o observado em junho.
Diante da resistência ao dispositivo nas discussões do arcabouço, o governo fez uma alteração no PLDO (Projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias) de 2024 e colocou uma autorização para incluir no Orçamento despesas condicionadas à aprovação de um crédito suplementar no ano que vem, em valor equivalente ao efeito da inflação maior esperada até o fim deste ano.
Técnicos do governo dizem que isso é suficiente para o projeto de Orçamento já ser apresentado considerando as despesas condicionadas. A peça orçamentária tem de ser enviada até 31 de agosto. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), cumprimentou Cajado, relator do texto, pelos trabalhos. “Parabéns, deputado Cajado pela relatoria. E, ao final, entregamos o projeto do arcabouço fiscal para o país”, disse.
Líder do governo na Câmara, o deputado José Guimarães (PT-CE) comemorou a aprovação. “É uma vitória para quem diz que o nosso governo não tem responsabilidade com as contas públicas percebe neste momento que nós estamos garantindo a estabilidade, a previsibilidade e isso é fundamental para quem quer governar com responsabilidade social”, disse. Carlos Jordy (PL-RJ), líder da Oposição na Câmara, criticou o texto. “Isso só demonstra a falta de comprometimento do governo com a questão orçamentária, com a responsabilidade fiscal”, afirmou.
Como funciona o novo arcabouço
O novo marco combina metas de resultado primário (obtido a partir da diferença entre receitas e despesas) com um limite de crescimento para gastos mais flexível do que o do teto. Os princípios foram defendidos por Haddad e sua equipe a despeito de resistências dentro do próprio PT, já que uma ala do partido queria uma regra fiscal mais branda.
Pela regra aprovada, o crescimento real do limite de gasto do ano seguinte deve equivaler a 70% da variação da receita em 12 meses acumulados até junho do ano anterior, já descontada a inflação, desde que respeitado o intervalo de 0,6% a 2,5%. Na prática, esses são o piso e o teto de avanço das despesas, independentemente do quadro econômico do país.
Além disso, o governo precisa cumprir uma meta de resultado primário. O objetivo para o ano que vem é zerar o déficit em 2024 e chegar a um superávit de 1% do PIB (Produto Interno Bruto) em 2026 —metas tidas como ambiciosas por economistas de mercado, que ainda veem com cautela a capacidade da Fazenda de honrar esses compromissos.
Pela regra, caso a meta seja descumprida, a proporção de alta das despesas em relação à arrecadação cai a 50%, até a retomada da trajetória de resultados dentro do esperado. O texto também manteve os gatilhos automáticos para ajustar as despesas em caso de estouro da meta de primário. Entre as medidas estão a proibição de concursos públicos e de aumentos para servidores.
A política de valorização do salário mínimo, porém, ficará blindada desses mecanismos, a pedido de Lula. O texto ainda obriga o governo a contingenciar despesas, caso haja frustração de receitas ou aumento de outros gastos que ameace o cumprimento da meta fiscal no exercício. Esta seria uma medida prudencial adotada pelo gestor para tentar evitar o estouro da meta.
Inicialmente, o governo queria que a adoção dessa providência fosse opcional, numa flexibilização em relação ao que manda a versão atual da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal). O Congresso não aceitou essa proposta e restabeleceu o contingenciamento, mas estipulou um limite de 25% do valor previsto no Orçamento para as despesas discricionárias —que incluem custeio e investimentos.
A proposta determina que o contingenciamento precisa ser proporcional entre as diferentes rubricas. Na prática, isso evita que o aperto recaia apenas sobre os investimentos, como já ocorreu no passado.
PGR pede inconstitucionalidade do Dia do patriota de Porto Alegre
A PGR (Procuradoria-Geral da República) entrou com uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) na sexta-feira para que seja declarada inconstitucional a lei municipal de Porto Alegre que instituiu 8 de janeiro como Dia do Patriota. Nessa data, apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram e depredaram as sedes dos três Poderes, em Brasília. A ação foi apresentada pelo subprocurador Carlos Frederico Santos, coordenador do Grupo Estratégico de Combate aos Atos Antidemocráticos. Ele pede que o processo seja analisado pelo ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos que investigam os ataques. “É inadmissível a elaboração de leis imorais e antirrepublicanas, cujo propósito seja exaltar e comemorar a prática de atos contrários ao Estado democrático de Direito. Tais atos, em lugar de serem estimulados, exaltados e promovidos, importam ser devidamente sancionados e punidos com os rigores da lei pelas autoridades competentes”, diz trecho da ação.
A ação ainda pede a manifestação do prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), que não se manifestou sobre a lei e, compulsoriamente, permitiu sua promulgação; o presidente da Câmara Municipal, Hamilton Sossmeier (PTB); e da AGU (Advocacia-Geral da União). Neste Sábado (26), o ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), disse que uma lei não pode homenagear uma data de perpetração de crimes. “Sob a ótica do direito constitucional, a resposta é muito clara. A lei afronta os princípios da moralidade, da forma republicana, do sistema representativo e do regime democrático.”
Foto da Capa: Ministros da Economia e do Planejamento, respectivamente, Fernando Haddad e Simone Tebet. Crédito: Agência Brasil