Aconteceu de novo. Outro livro foi retirado dos acervos de escolas sem argumentos convincentes para tamanho despropósito. A obra em questão, dessa vez, foi O Menino Marrom do escritor Ziraldo, falecido em abril. O fato ocorreu em uma cidade de Minas Gerais depois que um pai, certamente pouco leitor e nada crítico, achou-se no direito de reclamar do conteúdo do livro. Digo, “nada crítico”, pensando no real sentido da criticidade que consiste em analisar, debater e refletir um tema e não na criticidade barata quando o “cidadão de bem” se acha no direito de dar a sua opinião sobre determinado assunto, mesmo sem entender do que se trata e, o pior, passando por cima dos conhecimentos de pessoas que dedicaram anos de sua vida para ocuparem a posição que ocupam.
Um pai considerou violentas algumas passagens do livro publicado nos anos 1980. Não levou em consideração a sociedade e os costumes da época nem as mudanças que ocorreram com o passar dos anos. Não teve a capacidade de sentar e conversar com o seu filho para a saber a sua opinião e averiguar a sua capacidade de pensar sobre aquela situação. Um pai se achou no direito de contestar o trabalho de um autor renomado e de professores que se qualificaram para a profissão que exercem. Esse mesmo pai criou uma rede de apoio, convencendo outros pais e mães a também reprovarem o conteúdo da obra de Ziraldo e as atividades propostas pela escola. E o que fez a secretaria de educação daquele lugar? Simplesmente acatou a reivindicação, desrespeitando os seus docentes.
Eles tinham estado juntos, praticamente, desde o dia em que nasceram, brincando, conversando, inventando coisas, brigando, rolando na grama, dando socos um na cara do outro, fazendo as pazes, brigando de novo, passeando na praça, jogando na escola, sempre juntos, sempre às gargalhadas, sempre inventando moda. E nunca tinham se preocupado com o fato de um ser de uma cor e o outro ser de outra. Agora, eles queriam saber o que que era branco e o que que era preto e se isto fazia os dois diferentes.
O Menino Marrom de Ziraldo é um livro sobre racismo e isso, por si só, já incomoda bastante. Um texto escrito há quase quarenta anos com algumas expressões não tão aceitas nos dias de hoje, mas que não deixa de ser um suporte contra a discriminação racial. Talvez a abordagem feita a partir da obra, tenha deixado a desejar, talvez tenha faltado tempo hábil para uma maior reflexão. E é aí que entra o papel da família: conversar, ensinar para a vida. Acessar os lugares onde a escola não conseguiu chegar.
Fala-se muito na defasagem da educação brasileira, que os alunos não aprendem, que não sabem interpretar, que não saem da escola preparados o suficiente para a sociedade. No entanto, todas as vezes que um professor instiga o seu aluno a pensar, ele é recriminado. Todas as vezes em que uma escola tem a intenção de promover um debate antidiscriminatório, surge um sujeito remanescente da idade das trevas para atrapalhar o processo. Para não perderem os seus empregos, os profissionais da educação abrem mão do que acreditam para ceder aos impulsos de reacionários.
Como escritora e professora, eu ainda acredito na educação. Penso que através da literatura serei capaz de modificar, ao menos, “uma parte do mundo”. Quanto à docência, vejo-me cada vez mais em um beco sem saída de onde é preciso resistência para sair. Somos uma classe em extinção e se não tomarmos uma atitude ágil, deixaremos de existir muito antes do previsto.
Andréia Schefer é escritora, professora, especialista em Literatura Contemporânea e graduanda em Jornalismo. Publicou os romances Para onde vão as borboletas (Edição da autora- 2020) e Nada será como antes (Edição da autora-2023)
Foto da Capa: Divulgação
Mais textos da Zona Livre: Leia Aqui.