Hugo Carvana era meu cineasta brasileiro favorito, autor de uma pequena obra-prima, Bar Esperança – O Último que Fecha, filme que melhor resume o Brasil dos estertores da ditadura. Partindo do microcosmo que é um bar (e também da crise conjugal do casal protagonista), Carvana constrói uma crônica sobre encontros e desencontros, sobre alegrias e melancolias, sobre porres e ressacas. O resultado é a esperança, não apenas a que é resumida no título, mas em especial aquela de uma geração que se reencontrava com a democracia e via nascer a Nova República. Era o símbolo de um país que voltava a ficar otimista.
Hugo Carvana era ainda um dos meus três atores brasileiros favoritos. Seu desempenho não apenas em seus filmes, mas nas obras de outros cineastas sempre foi enriquecedor. “Eu estendo a mão à amizade”, dizia Carvana no trailer do documentário que leva o seu sobrenome. Personagem múltiplo e multifacetado, Carvana é o carioca que retratou a alma de sua cidade em filmes, o tricolor que ajudou a criar a Young Flu e quase largou a noiva no altar para ver uma final de campeonato do seu Fluminense, homem de muitas patotas (Pasquim, Antonio’s, Cobal…) e ainda o engajado, que acreditou em Brizola quando ele tinha 3% das intenções de voto, ajudou-o a ganhar a eleição, integrou seu governo por pouco mais de um ano e largou tudo ao se decepcionar com o pouco envolvimento do líder trabalhista com a cultura. Todas essas histórias, ricas e curiosas, marcaram a vida dele.
Em fevereiro de 1994, eu estive uma única vez com ele para uma entrevista para a seção Canto do Rio, do Caderno B. Apesar de nunca ter sido entrevistado para o Canto do Rio, Carvana era um assíduo frequentador daquele espaço, sendo um dos mais citados no item Homem carioca. Sua imagem estava marcada como um dos legítimos representantes do espírito que domina a cidade. Carvana era também profundo conhecedor de cada centímetro do Rio de Janeiro e responsável por alguns dos melhores filmes/crônicas que retratam a cidade. Apaixonado pelas imagens suburbanas, conhecia como poucos os mais especiais cantos do Rio e cultuava com veneração a arte do bom papo, principalmente se for numa mesa dos bares da Cobal do Leblon: “É o lugar onde a camaradagem ainda se conserva”, dizia ele definindo o local onde todos os sábados batia ponto para beber entre flores e verduras. “É um porre ecológico”.
Naquela entrevista, Carvana me passou um ensinamento tão genial quanto surpreendente, vindo de quem vinha. O homem que viveu tantas madrugadas e bebeu com tanta gente – de Vinicius de Moraes a Tarso de Castro, de Tom Jobim a Pereio – me ensinou que cada vez mais sentia prazer em acordar cedo, beber com os amigos a partir do final da manhã, participar de longos almoços que varavam a tarde e depois, quando o sol começava a se pôr, se recolher para ver um filme e dormir cedo. A melhor boêmia era a diurna.