A tensão está à flor da pele. Não só na disputa presidencial, mas também nos Estados. Na tão recente história democrática do Brasil, nunca as acusações, as mentiras, as fake news e o uso descarado da máquina pública estiveram tão evidentes e escancarados. Até as agências de pesquisas de opinião, com erros fragorosos nas previsões, agora têm a sua legitimidade contestada e ameaçada por regulamentações nem sempre democráticas.
Assim está o Brasil a cinco dias da eleição. Dividido e imerso em um mar de incertezas. Até o sábado foi reservado para a decisão do Tribunal Superior Eleitoral decidir se concede uma enxurrada de direitos de resposta a Lula e umas dezenas a Bolsonaro. É a reta finalíssima e decisões que não entrarem em tempo útil de aparecer no rádio e na televisão serão inócuas. Há uma guerra jurídica que já rendeu, em princípio, ao petista cerca 116 direitos de resposta, ao contrário dos 164 concedidos inicialmente, nas inserções do candidato à reeleição pelo PL. Já o presidente também obteve vitórias, em número menor.
Nessa guerra jurídica, o Tribunal Superior Eleitoral não aparece apenas como árbitro. É acusado pela rede Jovem Pan de censurar seu noticiário, de viés pró-governo. A corte é acusada também de extrapolar suas funções ao adotar um critério elástico na definição do que é “fake news” passível de ser tirada do ar. Sob críticas, o Tribunal segue atuando em várias frentes para conter danos no ambiente de vale-tudo. Acabou de aprovar uma resolução que amplia seus próprios poderes, agiliza a retirada de conteúdos das redes e restringe propaganda política paga 48 horas antes do dia da votação, em 30 de outubro, e até 24 horas depois.
Os candidatos à Presidência, separados por apenas quatro pontos percentuais (Lula lidera com 49% das intenções de voto, na borda da margem de erro, ainda que estatisticamente seja improvável que haja empate técnico com Bolsonaro, que tem 45%). O retrato expõe uma disputa acirrada e marcada pelo caos nas informações, nem sempre verdadeiro. As campanhas apelam a todo tipo de expediente para atacar o adversário, da mentira pura e simples a distorções e descontextualizações exibidas nas redes sociais e nos programas oficiais de rádio e TV.
Nesta reta final, o noticiário é repleto de um clima que beneficia a estratégia diversionista do bolsonarismo, já vista em países em que líderes de extrema direita protagonizam campanhas presidenciais. A desinformação associa-se ao pânico moral, que flui especialmente entre o eleitorado religioso, bastante conservador e desconfiado com bandeiras ligadas à esquerda. Para minimizar a rejeição junto a esse público, Lula lançou uma carta aos evangélicos, dizendo-se contra o aborto e defendendo a liberdade de culto. Há relatos de fiéis que se queixam da perseguição nos templos por não estarem alinhados à reeleição do presidente. Esse assédio tem ocorrido também nos ambientes de trabalho, em que os patrões tentam impor o voto aos empregados. Nas igrejas católicas, a situação se inverte: quem está na ofensiva são fiéis que passam a atacar padres que falam contra a fome ou defendem os direitos humanos.
O ambiente turva-se mais ainda com o uso explícito da máquina pública, uma arma eleitoral ilegal que vem sendo usada com intensidade sem precedentes. Apenas nos últimos dias, o governo refinanciou dívidas, antecipou auxílios, disponibilizou empréstimos a beneficiários de programas sociais e permitiu o uso do FGTS que ainda nem foi depositado na conta do trabalhador em financiamentos de imóveis. Depois de 2022, o mecanismo de controle de cumprimento das regras do jogo precisa ser revisto e regulamentado.
Não perder o protagonismo na reta final
O domingo pegou os brasileiros de surpresa. Embora submetido ao regime de prisão domiciliar e, impedido explicitamente, de participar de mídias sociais, o ex-presidente do PTB voltou à carga. Nas redes sociais da filha, chamou a ministra Carmem Lúcia, do STF e do TSE, de uma “prostituta”, e Marina Silva, ex-ministra e eleita deputada federal, foi xingada na saída de um jantar com dirigentes da Rede e depois de cumprir agenda de campanha com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Jefferson fez-se indignado por Carmem Lúcia ter votado a favor de punição da Rádio Jovem Pan. Ele a chama ainda de “Bruxa de Blair” e Carmem “Lúcifer”. Esses fatos sucedem a revelação, em meados deste mês, do presidente Jair Bolsonaro no Youtube, no canal Paparazzo Rubro-negro, em meados de outubro. O tema da exploração e violência sexual de crianças e adolescentes tem um custo alto para uma sociedade, que, em contrapartida, não garante a proteção necessária para um desenvolvimento seguro de meninas e meninos durante a infância e adolescência.
– Eu parei a moto numa esquina, tirei o capacete e olhei umas menininhas, três, quatro, bonitas, de 14, 15 anos, arrumadinhas num sábado numa comunidade. E vi que eram meio parecidas. Pintou um clima, voltei. ‘Posso entrar na sua casa?’ Entrei. Tinham umas 15, 20 meninas sábado de manhã se arrumando. Todas venezuelanas. E eu pergunto: meninas bonitinhas de 14, 15 anos se arrumando no sábado para quê? Ganhar a vida.
Com esta declaração, Bolsonaro palmilha os dias finais de campanha. Com ou sem “pintou um clima”, as frases, as ações, as fake news determinam o ritmo da campanha neste segundo turno. Bolsonaro tem determinado a pauta em ações como essas, a favor ou contra.
É na tentativa de socorrer o presidente, como já fizera ao fantasiar de padre o chamado Padre Kelmon, uma linha auxiliar presidencial nos debates. Aliás, Kelmon, em um cortejo de outros seis militantes, foi ao portão em que ficara a polícia entregar uma pistola de Jefferson, como se, assim, ficasse desarmado. Os tiros foram de fuzil, que feriu dois agentes federais, e a explosão de três granadas. No final da noite, depois de oito horas de confronto, Jefferson entrega-se. Mas apenas ao Ministro da Justiça escalado pelo presidente para dar segurança nas negociações.
O efeito Roberto Jefferson sobre a campanha Bolsonaro ainda vai ser avaliada. A campanha de Lula não tem percebido a tempo tais armadilhas. Lula escorrega em muitas. Há pouco tempo para reagir e não definhar na reta final. Ao vencedor, caberá a missão de governar um País estraçalhado, provocado pelo atual presidente e que dificilmente poderá consertá-lo.
A decisão, no voto soberano do povo brasileiro, será conhecida na noite do próximo domingo.