A operação da Polícia Federal (PF), deflagrada na manhã do último dia 3 de maio, teve como alvo o ex-presidente Jair Bolsonaro e integrantes do núcleo duro de seu governo, e tem desdobramentos políticos distintos. Além da busca e apreensão na casa de Bolsonaro, foram presos, entre outros, o tenente-coronel Mauro Cid, Max Guilherme e Sérgio Cordeiro, três de seus principais auxiliares. A investigação, que também tem Michelle Bolsonaro como alvo, visa a inserção fraudulenta, por parte de assessores do ex-presidente, de dados no sistema do Ministério da Saúde, envolvendo as carteiras de vacinação de Bolsonaro, enquanto ainda estava no comando do Planalto, e de sua filha menor de idade.
Ambos poderiam não ter ingressado nos Estados Unidos sem a comprovação de que estavam imunizados para Covid-19. Pela primeira vez, Bolsonaro embargou a voz, fez uma pausa longa na fala e gaguejou ao reclamar: “Até quando isso vai continuar? Quando isso vai acabar?” Foi a primeira vez na história brasileira que um presidente ou ex teve sua casa vasculhada por ordem judicial em busca de provas contra crimes. A busca terminou com a prisão do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens, e outros dois militares, a apreensão de computadores, armas, munições e o aparelho celular do ex-presidente pelo qual poderia ter sido feito a conexão com o Conecte SUS.
A investida da PF caiu como uma bomba no cenário político e, apesar de o ex-presidente ter negado a vacinação e o conhecimento sobre o episódio, minimizando seu impacto, sua situação, e a de seus ex-assessores, que podem revelar mais detalhes, são complicadas. O fato, que ganhou repercussão internacional, obviamente está sendo explorado pelos adversários de Bolsonaro e levou seus aliados a abandonarem a artilharia contra o governo Lula para defender, com unhas e dentes, dentro e fora da Internet, as ações do ex-presidente.
Os efeitos do caso, no entanto, serão enormes porque graves. Com isto, interlocutores de Lula e de sua gestão, que após quatro meses não conseguiu avançar em nenhum dos projetos que dependem de aval do Congresso, devem contar, pelo menos no curto prazo, com uma trégua, ou, pelo menos, com elementos para contra-atacar às investidas da oposição.
Relatório produzido pela Polícia Federal aponta que a equipe presidencial emitiu o último certificado de vacinação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) cerca de duas horas antes dele deixar o Brasil rumo aos Estados Unidos, no final do ano passado. “No dia 30 de dezembro de 2022, às 12h02, o usuário associado o ex-presidente da República, utilizando o endereço de IP vinculado ao terminal telefônico cadastro em nome de Mauro Cesar Barbosa Cid, acessou o aplicativo Conecte SUS e emitiu um novo certificado de vacinação contra a Covid-19”, diz trecho do relatório.
O documento, segundo a corporação, continha apenas o registro da vacina da Janssen. “Cerca de duas horas depois da emissão do último certificado, Mauro Cesar Cid e o ex-presidente da República Jair Bolsonaro viajaram de Brasília para a cidade de Orlando, nos Estados Unidos”. O voo decolou por volta de 14h. O ex-presidente viajou para os Estados Unidos com a ex-primeira-dama e atual presidente do PL Mulher, Michelle Bolsonaro, e a filha Laura, de 12 anos, um dia antes de terminar o mandato, em 30 de dezembro de 2022.
Bolsonaro optara por sair do país e não participar da cerimônia de posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que ocorreu em 1º de janeiro. Para a PF, Bolsonaro e sua equipe tinham plena ciência da inserção fraudulenta dos dados de vacinação. De acordo com a corporação, “os elementos informativos colhidos demonstraram coerência lógica e temporal desde a inserção dos dados falsos no sistema SI-PNI até a geração dos certificados de vacinação contra a Covid-19, indicando que Jair Bolsonaro, Mauro Cesar Cid e, possivelmente, Marcelo Costa Câmara tinham plena ciência da inserção fraudulenta dos dados de vacinação, se quedando inertes em relação a tais fatos até o presente momento”, relata o documento.
A PF informou que o secretário de governo de Duque de Caxias (RJ), João Carlos de Souza Brecha, inseriu dados falsos de vacinação em nome de Bolsonaro em 21 de dezembro de 2021, às 18h59 e às 19h. Um dia depois, um usuário entrou no aplicativo Conecte SUS, com endereço do Palácio do Planalto, e baixou os comprovantes de vacinação, contendo três doses de vacina, que teriam sido tomadas no município fluminense. Em seguida, às 8h20, ocorre uma mudança cadastral no aplicativo de Bolsonaro, com o acréscimo de e-mail de Marcelo Costa Câmara, que viria a ser nomeado assessor da presidência. Em 27 de dezembro de 2022, às 14h19, um usuário que utiliza a conta do ex-presidente baixou o certificado de vacinação mais uma vez.
Após a geração desse segundo certificado, os registros das vacinas que Bolsonaro teria tomado foram excluídos do sistema, às 20h59 do dia 27. A ação foi realizada pela operadora Claudia Helena Acosta Rodrigues da Silva, sob a justificativa de “erro”. Já em 30 de dezembro de 2022, às 12h02, o usuário associado à conta de Bolsonaro, utilizando endereço eletrônico cadastrado em nome de Mauro Cid, acessou o aplicativo e emitiu um novo certificado de vacinação, agora contendo apenas o registro da vacina da Janssen, pois as demais, da Pfizer, já tinham sido excluídas.
“Portanto, os elementos informativos colhidos trazem indícios de que João Carlos de Souza Brecha, Claudia Helena Acosta Rodrigues da Silva, Jair Messias Bolsonaro, Mauro Cesar Cid e Marcelo Costa Câmara se uniram, em unidade de desígnios, e, de forma exitosa, inseriram dados falsos de vacinação contra a Covid-19, em benefício de Jair Messias Bolsonaro, nos sistemas SI-PNI e RNDS do Ministério da Saúde”, finaliza o documento de quase cem páginas da Polícia Federal.
Afora este caso, há algumas outras ações que tem Bolsonaro como alvo. Mais de uma dezena de pedidos de investigação contra ele foram enviados à primeira instância pela ministra Cármen Lúcia, devido à perda do foro especial após a saída dele da Presidência. A maioria trata de falas feitas pelo então presidente antes e durante as comemorações do 7 de Setembro de 2021. À época, Bolsonaro fez ameaças golpistas contra o Supremo, exortou desobediência a decisões da Justiça e disse que só sairia morto da Presidência da República.
E uma derrota acachapante do Governo
Não restam dúvidas sobre a base esfacelada do Governo no Congresso Nacional. Não reduziu o efeito o pito público do presidente ao seu ministro da articulação política, e na quarta-feira à noite, o Planalto sofreu derrota acachapante. O terceiro mandato petista começa com gosto amargo no Congresso e sequer consegue manter as alterações do Marco Regulatório do Saneamento. Mais do que um recado das bases políticas – sim, a base avisa que quer mais cargos, mais espaços, mais verbas – e prenuncia maus ventos para as vindouras votações do arcabouço fiscal e reforma tributária. Se até Lula não saciar a voracidade de seus aliados, seu futuro pode ser abalado. O número de dissidentes da base de Lula foi de 295 votos contra o governo e 136 a favor. Entre os contrários, estavam incluídos todos os 48 parlamentares do União Brasil presentes na sessão, 31 dos 32 emedebistas e 20 dos 27 deputados do PSD. Os três partidos detêm nove ministérios no governo. Siglas como o PP e o Republicanos, que ensaiaram eventual aproximação com o governo federal, votaram em massa contra o Executivo.
O líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE) tentou minimizar o episódio, afirmando que já previa a derrota e que se trata de uma “vitória de Pirro, sem importância nenhuma”. Lula, no entanto, pensa diferente e cobrou publicamente o desfecho do ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha. “Espero que ele tenha a capacidade de organizar, de articular, que ele teve no Conselho, dentro do Congresso Nacional. Aí vai facilitar muito a vida”, afirmou o petista durante fala em Brasília. Na mira está ainda, pelo menos de parlamentares, o ministro da Casa Civil, Rui Costa. A atuação decisiva de aliados na derrota do governo escancara a insatisfação e deixa claro que está cada vez mais difícil garantir fidelidade, mesmo com a distribuição de cargos, que não são mais suficientes. Um dos interesses agora é a agilidade na liberação de emendas.