A pandemia que atravessamos nos trouxe, junto de um pacote de desgraças, muitas coisas boas. Além da crença na ciência, na evidência da força do trabalho coletivo de profissionais que nos entregaram vacinas em um tempo nunca visto antes e outras tantas micro conquistas que poderíamos relacionar, vale celebrarmos a queda do mito do trabalho presencial, da aula presencial, da reunião presencial e por aí vai, como únicas boas possibilidades de como podemos realizar algo. Até então, ou era presencial ou era uma “gambiarra” para quase todo mundo.
É claro que nem tudo são flores e eu jamais seria estúpido o suficiente ao ignorar a infinidade de situações em que: SIM, estarmos reunidos fisicamente é muito melhor, mais produtivo e mais agradável do que o remoto. Além da obviedade dos casos em que estar presente em algum local é mandatório, afinal de contas, não dá para ser cozinheiro e fazer tudo à distância.
O que estou a dizer é que a pandemia nos trouxe, de maneira compulsória (fomos obrigados a fazer assim) e definitiva (nunca mais voltaremos a ser daquele jeito), uma enorme capacidade de criticar a “obrigatoriedade” do presencial e aceitar que dá pra realizar muita coisa de maneira remota. Dos cerca de 50 compromissos que cumpri nas 3 semanas em que estive no Brasil, pelo menos metade deles seriam mais efetivos e funcionais se os tivesse feito de maneira remota. E não tive qualquer receio em dizer isto aos meus interlocutores.
APRENDEMOS A NÃO TER MEDO DE QUESTIONAR
A NECESSIDADE DE SER PRESENCIAL
OU ASSUMIR QUE SERÁ REMOTO
É essa capacidade de questionar a necessidade de ser presencial, o novo dom que internalizamos de forma coletiva. E isso é permanente. Vamos sempre questionar se a aula precisava mesmo ter sido presencial, se a reunião precisa ter sido presencial, porque tivemos que ir até aquela repartição pública se poderíamos ter feito remotamente e só passado para buscar algo, … e por aí vai, mais uma vez.
Tudo bem que estamos passando pela ressaca do virtual e, portanto, mais sensíveis a fazer as coisas presencialmente. Contudo, a vontade de ver as pessoas e estar nos lugares cai por terra quando voltamos pra casa e percebemos o quão improdutivo foi aquele dia de trabalho, pra seguir no meu exemplo. O tempo que gastamos com trânsito, elevadores, esperas e tantas outras atividades periféricas ao nosso core de obrigações é tão impactante em nosso dia a dia que nos dá super poderes para questionar o presencial. Só queremos estar lá, se fizer algum sentido para cada um de nós. Ah, isso é importante, o “sentido de importância” pode mudar de pessoa para pessoa, pois os motivadores são específicos de cada um. Precisamos aprender a respeitar isso também.
Para ampliar a análise e voltar à rotina profissional, nos acostumamos a utilizar plenamente o nosso dia de trabalho. Organizamos tudo tão direitinho que até esquecemos de reservar brechas de agenda para irmos até o banheiro, pegar um café na cozinha ou apenas nos alongarmos um pouco. Tudo bem que ao finalizarmos a reunião, já estamos no local ideal para fazer todos os encaminhamentos combinados na agenda e disparar tudo o que precisa acontecer a partir dali, sem perdas de tempo ou procrastinações. Às vezes isso é cansativo, outras vezes é maravilhoso para já nos liberarmos.
É neste contexto que pude perceber que preciso reaprender a trabalhar. Foram 3 semanas fora de casa e, agora, já são outras 2 para colocar tudo em dia. Coisas que se acumularam, pois não pude fazer enquanto estava a chamar um Uber, a esperar o elevador, a trocar de sala … ou simplesmente porque estava cansado. Sim, a gente também fica cansado, mesmo tendo deixado de fazer muita coisa que precisará ser feita depois.
Neste momento, já num modelo híbrido, tenho amigos e colegas que estão mesclando a semana de trabalho: alguns dias específicos para estar no escritório e outros em casa. Outros, que moram próximos do lugar de trabalho, organizaram um turno lá outro cá. Eu não tenho essas opções, pois como posso fazê-lo se estou a 10.000 km do escritório? Talvez tenha que adotar a prática dos naturalistas que alternam semanas de observação no ambiente e semanas (outras) de trabalhos em centros de pesquisa. Ainda preciso encontrar o melhor formato.
O que é certo é que passarei a discorrer estas reflexões nesta coluna semanal. Vamos aprofundar o entendimento a respeito do trabalho remoto (assíncrono e distribuído), sobre o nomadismo digital, empreendedorismo, transformação digital e inovação nos negócios. Sempre procurando trazer as realidades e pontos de vista do Brasil e de Portugal.