Nesse próximo domingo é o Dia das Mães, data emblemática.
Comercialmente interessante, emocionalmente indecifrável. A cultura e a mídia nos encharcam anualmente com mensagens de amor incondicional, gratidão e abrigo, quando nem sempre esse é o sentimento que predomina. Talvez até a culpa prevaleça justamente em face dessas premissas atemporais de que mãe é uma só, coração de mãe sempre cabe mais um, ser uma mãe para alguém.
Nem sempre é assim na vida real. Longe das propagandas, a maternidade é um lugar complexo para ambas as partes. Ser filho ou filha é uma tarefa difícil e que, dependendo de como ela for sendo atribuída por essa figura materna ao longo da vida, pode gerar mais compromisso que desejo, mais culpa do que gratidão.
Tornar-se mãe enquanto sendo filha também exige um desdobramento e um atravessamento de funções que pode ser bastante angustiante, apesar de potencialmente transformador, caso haja espaço para essa reflexão. Interno e externo. Já comentei em outras oportunidades que lastimo muito ter perdido minha mãe antes de ter me tornado mãe. Não sei exatamente o que seria diferente, não tenho certeza do que ela pensaria ao me ver mãe. Não sei se haveria condições de sua parte de compreender e aceitar esse novo lugar de avó e de mãe de uma outra mãe. Parece uma função geneticamente aprendida ou que assim deveria ser, quando esse é um erro grave e que traz consequências não menos graves à vivência de mãe que cada mulher que assim escolher vai ter ao longo da vida.
Cada Dia das Mães que passa, meus sentimentos vão se transformando e, naturalmente, hoje ele se trata muito mais do meu lugar de mãe do que de filha. Ainda assim, não acho que eu mereça um presente especial por essa função, a emoção que eu sinto é muito mais por ser fisgada em muitos momentos por publicidades tocantes que me levam mais ao lugar de filha do que de mãe, talvez pelo fato de ela não estar mais presente. A maternidade é um exercício diário que não tem glamour nem maquiagem. Tem entrega, aprendizado visceral e construção. É estar presente e ser presenteada sempre que dá.
Há algum tempo, ao ouvir uma amiga falar sobre sua mãe, pensei novamente em uma ideia que me ocorre a cada tanto, que é a de que não verei minha mãe velha. Ela tinha 61 anos quando morreu, só estava mais debilitada em função dos tratamentos que realizou até eles pararem de dar certo, mas ela era jovem. Não sei e nunca saberei o que é ter uma mãe velha. Mães começam a dar trabalho (físico e logístico) depois de um tempo – porque trabalho emocional dão a vida inteira. Vejo muitas amigas naquele falado sanduíche, ainda cuidando dos filhos e tendo que cuidar das mães e pais. Me pergunto tanta coisa, se ela se deixaria ser cuidada, se teria orgulho de mim enquanto mãe, se aceitaria as coisas que venho tentando fazer diferente.
Eu ainda acho muito louco não ter mais mãe, mesmo 13 anos depois. É muito louco essa mãe atemporal que segue viva dentro de mim, porque além da ideia absurda em si, essa mãe atemporal não parou nos 61, até porque depois da doença ela não era mais A mãe da qual me lembro. Essa, a marcante, parou lá nos 45. Hoje eu tenho 46. E não consigo entender muito como ela podia ter 45 e parecer tão segura e com a vida pronta. Claro, uma outra geração com outras expectativas e possibilidade do ser mulher foram oferecidas a mim. Mas, a ela também, apesar de muito menos intensamente. Ela não escolheu esse caminho. Fato é que eu e ela temos a mesma idade e isso é – usando novamente a mesma palavra porque não penso em outra melhor – louco.
Talvez a gente não se enxergue velha nunca e o fato de eu não conhecê-la velha certamente colabora para ela parar no tempo e ilusoriamente eu também. Queria ver minha mãe velhinha, teimosa como sempre foi, atrevida e destemida mesmo quando morria de medo.
Resta agora o espelho. Que eu tenha coragem para enxergar e sorte para ter saúde até lá.
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Foto da Capa: Gerada por IA.