Virou tradição: no dia 12 de junho, as declarações de afeto e amor tomam conta das timelines nas plataformas de mídias sociais. Eu vejo a postagem pública em homenagem ao ser amado como uma renovação pública de votos para reafirmar os sentimentos mútuos ou, para os iniciantes, o antigo anel de noivado, quando o compromisso ali começa. Porém, a escolha de homenagear em mídias sociais expressa uma certeza: tão importante quanto celebrar a felicidade de estar junto, apesar dos perrengues, é mostrar para os amigos, seguidores e, principalmente, aos detratores a alegria do casal.
Nem todos os postantes estão realmente felizes nas suas relações e talvez muitos não postantes estejam bastante contentes com os pares atuais. Postar ou não postar fala sobre o perfil de quem posta talvez até mais do que sobre a relação a dois em si. Para um observador atento, a motivação poderá ser lida na interpretação da foto e da legenda. Há posts para agradar o par. Quem recebe a homenagem se enche de afeto e fica grato. Outra proposta pode ser oficializar a relação ou renovar o laço e, neste caso, casais postam juntos nos dois perfis. Mas pode haver aquele post para constar porque “tem que” – mas pela cobrança social do que pelo desejo genuíno de agradar o outro – ou ainda uma atitude como último recurso para salvar um relacionamento. E muitas outras motivações possíveis. Se você já fez um post assim, lembra da sua?
As mídias sociais são os meios, os suportes para as pessoas manifestarem sentimentos. Os relacionamentos mediados por plataformas ou atravessados por elas reproduzem os comportamentos cotidianos, quem é hiperbólico seguirá manifestando afetos intensamente, mesmo que por um dia, um mês ou um ano. Quem é mais discreto afetivamente conterá a publicação dos afetos até que alcance segurança afetiva. O elemento mais contemporâneo é que as plataformas e aplicativos estão cada vez mais presentes na nossa vida e a conectividade transforma laços de parceiros em conexões de rede. E as redes, mesmo quando um nó se desfaz, segue viva e se expandindo, diferente do laço de uma parceria, quando se desfaz, cada ponta está solta de um lado.
Para os solteiros e as solteiras, como eu, o Dia dos Namorados é uma data como qualquer outra. A exceção, no meu caso, foi ter aproveitado o gancho para conversar sobre as relações virtuais no videocast Vida Digital, do poastreaming. Eu e a Juliana Fürtenau recebemos a psicóloga Elisandra Moreira para quem os meios não mudam a predisposição por um certo comportamento. “Se a pessoa é tímida nas relações presenciais em ambiente físico, ela também vai ser nos aplicativos e plataformas”. Portanto, os namorados mais inibidos podem ter tido uma data super-romântica em silêncio. Postar ou não postar pode também ser negocial, o casal decidir junto se desconectar naquele dia ou, ao contrário, ostentar amor para o mundo. Além da Elisanda Moreira, recebemos a consultora de negócios Martha Rosinha, adepta dos aplicativos de relacionamentos. “É antes de ser a busca de pares românticos, um espaço para relacionamentos, já fiz amigos, sou conversadora, até negócios eu iniciei pelo aplicativo”, contou Rosinha.
Para quem procura o amor, as plataformas podem ser uma oportunidade caso encontre o par na mesma intenção, mas também podem ser frustrantes. O meio digital traz consigo características potencializadoras de bons e maus sentimentos. A facilidade de conectar e desconectar gera os amores fulgazes e descartáveis, ideia reforçada pelo conceito do sociólogo Zigmund Bauman para quem vivemos em uma modernidade líquida. Para ele a internet funciona como uma varinha mágica que permite ao indivíduo fugir da solidão com o compartilhamento de momentos virtuais com outros, sem necessariamente criar vínculos afetivos. O problema, para o sociólogo, é a insegurança afetiva. Para ele, há dois valores essenciais para uma vida satisfatória a feliz: a segurança e a liberdade. Liberdade sem segurança é caos. Segurança sem liberdade é prisão. Os laços virtuais podem ser tão libertadores como caóticos.
Bauman escreveu “não se pode aprender a amar, tal como não se pode aprender a morrer. E não se pode aprender a arte ilusória de evitar suas garras e ficar fora do seu caminho. Chegado o momento, o amor e a morte atacarão, a partir do nada. É da natureza do amor ser refém do destino. O que os amores líquidos permitem é a subversão do amor transformado em notas de sexo chamadas de fazer amor”. As repetidas experiências amorosas avulsas alimentam a convicção de que amar é uma habilidade a ser adquirida. Porém, haverá no comportamento repetido e na quantificação uma expectativa de que o próximo amor será sempre mais estimulante que o atual. “As habilidades adquiridas são as de terminar rapidamente e começar do início, na compulsão de tentar de novo já que a tentativa do presente só faz atrapalhar a experiência futura. O resultado para Bauman é uma “exercitada incapacidade de amar”.
Portanto, se não há como aprender a amar, Bauman nos ensina que é possível exercitar o des-amar. Tantos mais amores fugazes, mais afastados estarão os amantes do próprio sentir. Não à toa, diz o professor Clóvis de Barros, você sabe que encontrou a felicidade quando vive um momento e deseja que não acabe. O amor quer ficar, o desamor quer partir. O desejo constante da próxima experiência esvazia a potencial vivência da felicidade, pois a pessoa estará sempre no “e se” do futuro e não na presença do presente. É um comportamento consumista, de sempre querer mais e não estar satisfeito e grato ao que tem. “A promessa de aprender a amar é a oferta falsa de construir a experiência amorosa à semelhança de outras mercadorias, que fascinam e seduzem e prometem desejo sem ansiedade, esforço sem suor e resultado sem esforço”.
O amor requer coragem, ação e investimento. Podemos pensar nele com um funcionamento parecido com o do mercado financeiro. Por isto eu acredito na motivação genuína em muitos dos posts de casais no Dia dos Namorados e suas declarações de amor. Enxergo o post como um aporte extra na aplicação de longo prazo, o valor do ativo pode até estar em baixa, na crise, mas o investidor de longo prazo não desiste fácil, pelo contrário, compra mais títulos. O objetivo dele não é a liquidez imediata ou de curto prazo, é aumentar o patrimônio, construir uma base de futuro e ver o investimento prosperar. Acho que é isso. O amor líquido é consumista, o amor romântico é investidor.
Foto da Capa: Roman Odintsov / Pexels