Andei escrevendo tanto sobre Armindo Trevisan, neste ano em que completa 90, que eu acreditava nada ter a acrescentar. Mas, a cada novo encontro com o poeta, os acréscimos vêm aparecendo naturalmente. A fonte ali não seca, como a da sua poesia, embora ele diga – novidade – que anda escrevendo mais crônicas do que poemas, porque o poema precisa mais do corpo.
O poema precisar mais do corpo daria um novo texto. Mas, no novo café, ele se deteve no tema da amizade. Falar, para Armindo, significa não falar em vão. Para cada fala, embasa-se histórica e filosoficamente, relê os neoplatônicos, Montaigne, Plotino, Santo Agostinho, depois os coteja com a própria vida, que é ao final soberana.
Feito isso, o poeta me contou três sobressaltos com três amigos. Para Érico Veríssimo, nos anos 70, avisou que daria um tempo, antes de voltar a visitá-lo. Havia contado o número de presentes, no encontro do último sábado, e chegou a um total de 41: – Até o goleiro Manga estava lá. Que espaço teriam, em meio a tanta gente, para aprofundar o fraterno?
Érico reconheceu e tentou reparar, remarcando um novo encontro para a terça seguinte. Reencontro, aliás, a dois, prometido para ser sem bando nem cafezinhos e fortalecer uma amizade duradoura entre o velho prosador e o jovem poeta. Porém, já na terça, enquanto proseavam, um telefonema os interrompeu. Segundo Érico, tratava-se de uma prima com quem era impossível não ter uma conversa longa. Pediu, então, que o amigo permanecesse na sala, com o filho Luís Fernando, enquanto tentaria despachar a chata. Começava ali o segundo contratempo.
Armindo se considerava amigo do jovem cronista, com quem regulava de idade, mas nunca tiveram de passar tanto tempo juntos, só os dois. Tentava em vão todos os assuntos, da literatura ao futebol, da música erudita ao jazz, sem ouvir o retorno de uma só palavra. Observava mal e mal um sacolejo lento de cabeça, mais nada. Despachada a prima, Érico voltou e foi logo perguntando como tinha sido:
– Desculpa, seu Érico, mas tenho a impressão de que o seu filho não me topa.
Érico chamou Mafalda, a esposa, e repartiu com ela a preocupação do amigo.
– Armindo, não leva a mal – garantiu a mãe do calado – o que ocorreu não foi nada pessoal, o meu filho não gosta de falar.
A frase foi decisiva para que Armindo mantivesse a amizade com Luís Fernando, de forma sólida e silenciosa, até os dias de hoje. À mesma época, Mário Quintana ia empilhando desculpas para não aceitar os convites do amigo, só o fazendo quando fosse do seu jeito. Um dia, Armindo perdeu a paciência e avisou Cleuza, sua mulher, que estava desistindo daquela amizade. Ela ouviu com paciência a lamúria e, ao contrário de Luís Fernando, falou:
– Este é o jeito dele, querido. O que tu precisas fazer é te perguntares se gostas do Mário, apesar disso.
Armindo perguntou-se e respondeu que sim e a amizade entre os dois poetas só foi interrompida pela morte do mais velho.
Depois dos três relatos, entre as leituras e a vida, Armindo me disse que os amigos são necessários, porque a família não basta:
– Nosso coração é mesmo excessivo para ela.
Fiquei comovido com a frase. Ali pensei que a minha amizade com o mestre preenchia, de fato, lacunas familiares de um coração sedento por um outro nem sempre disponível por perto. Mas o fazia sem contratempos, porque jamais precisei da mediação de ninguém para seguirmos amigos.
Talvez não seja bem assim. Cleuza, afinal, providencia o Uber da ida do marido até o café e, durante o encontro, o seu olhar parece consolá-lo, toda vez que, ao contrário do Luís Fernando, eu acredito realmente ter algo importante para dizer, antes de despejar outra bobagem.