No dia 27 de maio de 1717, a coroa espanhola criou no noroeste da América do Sul uma nova jurisdição colonial, entidade político-administrativa que abrangeu aproximadamente o que hoje são os territórios do Panamá, Colômbia, Equador e Venezuela, países que surgiram no processo de independência do país ibérico na segunda década do século XIX. Naquele período (entre 1739 a 1819), a capital do novo Vice-Reino de Nova Granada era a cidade de Santa Fé de Bogotá, papel que agora cumpre na Colômbia.
Dando continuidade ao conjunto de biografias de arquitetos que trabalharam na América Latina no fim do período de dominação espanhola e início das nações independentes na região, após tratar do Chile e do Rio da Prata, chegou a vez do Vice-Reino de Nova Granada. Dois nomes despontaram naquele momento, Domingo de Petrés (1759-1811) e Thomas Reed (1817-1878).
José Pascual Domingo Buix Lacasa, nasceu em Petrés, distante cerca de trinta quilômetros de Valência, no dia 9 de junho de 1759, filho do pedreiro Vicente Buix (1722-1792) e de Caterina Lacasa. Teve seis irmãos. O mais velho morreu com quinze dias de vida. Seu interesse pela construção deu-se na infância e adolescência, acompanhando a atividade paterna com o qual aprendeu o ofício. Não se sabe quem ensinou seu pai, pois o avô era agricultor.
Aos 18 anos, em 1777, ingressou no Convento de Santa Maria Madalena, em Masamagrell – cerca de quinze quilômetros de Pétres -, onde completou seu noviciado e tornou-se irmão leigo da Ordem dos Irmãos Menores Capuchinhos (5 de março de 1780), adotando o nome Frei Domingo de Petrés. Sabe-se que no período entre março de 1780 e setembro de 1781, esteve nos conventos de Alcira, Segorbe, Albaida, Caudete e Monóvar, desenvolvendo seu ofício de pedreiro em trabalhos cada vez mais complexos e de maior responsabilidade. Para a Ordem dos Franciscanos Menores, o seu trabalho de conservação e restauração e de realização de obras novas foi importante. Quando esteve em Monóvar fez amizade com o Frei Juan de Cartagena, que lhe oportunizou acesso ao Livro de Arquitetura “El Arte y Uso de Arquitectura”, do Frei Lorenzo de San Nicolás (1593-1679), irmão agostinho descalço de Madri, obra publicada em duas partes (1639 e 1665), e que foi importante na sua formação, que àquela altura já transcendia a profissão de pedreiro para entrar plenamente no campo da arquitetura.
De Monóvar, foi para Murcia, onde concluiu a sua formação em arquitetura, alternando o trabalho prático com a formação profissional superior na Escola de Desenho da cidade, cujo diretor, desde a sua criação, em 1765, era o escultor Francisco Salzillo (1707-1783). Esta instituição de ensino se tornaria depois na Escola de Belas Artes de Murcia. Domingo tinha realizado algumas obras de restauração em um convento no qual a irmã de Salzillo era capuchinha de clausura, isto facilitou a entrada do frei capuchinho valenciano na escola dirigida pelo escultor, na qualidade de aluno regular, com consentimento das autoridades religiosas superiores. Assim, obteve a titulação de arquiteto. Na sua formação acadêmica, estudou os estilos românico, gótico e renascentista, além do barroco e do neoclássico da Idade Moderna, os quais conhecia por suas andanças no Reino de Valência. De todos estes estilos, interessou-se pelo neoclássico por ser mais simples e austero e mais alinhado com as regras estritas da ordem a qual pertencia. Mas isto não o impediu de respeitar e aproveitar o estilo original nas obras de restauração ou reconstrução de templos, principalmente nas quase duas décadas em que esteve no Vice-Reino de Nova Granada.
Para a implementação das mudanças promovidas pelo governo de Carlos III (1716-1788), reinado ocorrido entre 1759 e 1788, profissionais foram enviados da Espanha. Neste período ocorreu a expulsão dos jesuítas dos territórios espanhóis, em 1767, e foram os capuchinhos encarregados de substituí-los naquela região. Também aquela área foi afetada por terremotos, danificando total ou parcialmente edificações importantes. Para atender à urgência em responder a tais desafios, é que as autoridades civis e eclesiásticas do Vice-Reino convocaram profissionais da Espanha. Em 1791, Carlos IV (1748-1819), através do Conselho de Índias, solicitou à Província do Preciosíssimo Sangue de Cristo dos Padres Capuchinhos de Valência o envio de missionários. Dentre os interessados em contar com estes espanhóis, esteve o provincial da ordem dos capuchinhos em Nova Granada, Antonio Muro, que recebeu catorze dos vinte missionários solicitados, dentre eles, Domingo de Petrés.
Petrés emigrou em 1792, tendo trabalhado, nesta última década do século XVIII e na primeira década do século XIX, na região que hoje é parte do território colombiano, radicando-se em Bogotá.
Duas tempestades impediram a travessia do Atlântico, obrigando o grupo a retornar. Finalmente, em 13 de março de 1792, saíram do porto de Cádiz e chegaram em 25 de abril, em Cartagena. Em Bogotá, Domingo chegou em 1º de agosto daquele ano.
As demandas que enfrentou contemplavam restaurações e reconstruções de obras existentes e deterioradas, e a realização de obras novas. Cabe ressaltar que Bogotá, como já foi dito, era uma capital de um vice-reino e tinha sido assolada por terremoto e incêndios. Anteriormente, a construção de edifícios e as obras de infraestrutura eram feitas por agremiações de artesãos ou por mestres de obras. Ao longo do século XVIII, a situação mudou com a chegada da Casa de Bourbon à Espanha, especialmente com a criação do Real Corpo de Engenheiros Militares (1711) e da real Academia das Três Nobres Artes de San Fernando (1752). A ilustração também chegou à América. A Coroa Espanhola tratou de melhorar a formação dos quadros existentes, mas, para qualificar a produção das obras novas, precisou contar com profissionais oriundos das academias. Petrés foi então o primeiro arquiteto de formação a trabalhar no Vice-Reino de Nova Granada.
No período de 19 anos em que viveu em Nova Granada, projetou e dirigiu algumas das obras mais importantes realizadas na região, especialmente nos templos católicos onde foi decisivo na disseminação da linguagem neoclássica que estava em vigência e que era a sua preferida e com a qual se identificava na qualidade de capuchinho.
A igreja (1783-1791) e o convento de São José (1780), na Carrera 13 núm. 14-23, no bairro de San Victorino, na época afastado da região central de Bogotá, era a sede dos frades capuchinhos, que chegaram a Bogotá em 1778. O templo, conhecido como “La Capuchina”, precisava de obras. Petrés foi responsável por sua reconstrução e remodelação assim que chegou, levando vários anos para realizar esta tarefa, inclusive devido à pobreza da ordem. Aliás, a escassez de recursos seria algo constante na sua trajetória aqui na América. A edificação foi concebida no estilo herreriano. Atualmente, encontra-se alterada por intervenções posteriores.
No mesmo bairro, cuja população carecia de abastecimento de água, conseguiu envolver as autoridades para construir um aqueduto levando a água até o local onde projetou uma fonte no estilo neoclássico (Carrera 13 esquina Calle 13) e um ramal para abastecer o convento capuchinho. As obras demoraram pela falta inicial de recursos. Petrés as realizou entre 1792 e 1798.
Domingo realizou projetos e obras para fora da ordem, gerando tensões devido as suas constantes saídas do convento, bem como comentários dos próprios irmãos de hábito, nem sempre favoráveis à sua atividade profissional. Mesmo assim, não recuou.
A ordem pioneira a atuar na região de Bogotá, e consequentemente, a primeira a estabelecer seu convento e templo, ainda em meados do século XVI, foi a Dominicana. Situava-se na atual Carreira sétima entre as ruas Décima Segunda e Décima Terceira. Pouco tempo depois, um incêndio danificou o templo e o convento, que sofreram reparos. Porém, em 12 de julho de 1785, um terremoto causou grande destruição do conjunto, um dos mais comprometidos naquela ocasião. A falta de profissional para dirigir os trabalhos acarretou a demora em dar início aos trabalhos necessários. Isto só ocorreu com a chegada de Domingo de Petrés. Depois que foram solucionados os problemas decorrentes da falta de recursos e do desentendimento entre Capuchinhos e Dominicanos, o arquiteto foi autorizado a se envolver com a obra, iniciativa que partiu do provincial capuchinho de Bogotá, mas que só foi ratificada, em 1797, pelo superior da ordem em Valência, a qual estava ligada a província de Nova Granada. Importante destacar que ninguém se atrevia a assumir a obra. Petrés teve coragem de enfrentar os desafios. Dois anos depois os trabalhos estavam bem avançados, e quando da sua morte, em 1811, faltavam apenas alguns detalhes para a conclusão da igreja.
Entre 1792 e 1811, Frei Domingo teria presumivelmente participado das reparações, ampliações e modificações tanto do templo como do convento de La Enseñanza, que ficava na Calle 11, entre as Carreras 5ª e 6ª. Hoje estas edificações não mais existem. No local encontra-se o Centro Cultural Gabriel García Márquez.
Petrés esteve envolvido também com a restauração da Igreja de São Francisco (1794-1802), edificação construída entre 1557 e 1615, uma das mais antigas e importantes da cidade de Bogotá, danificada pelos terremotos de 1743 e 1785. Situa-se na Calle 16, núm. 7-35. Interveio na fachada e nos interiores do edifício. O arquiteto capuchinho, um profissional voltado à difusão da arquitetura neoclássica, foi extremamente respeitoso com as qualidades mudéjares e barrocas do templo, notadamente nos seus interiores.
A pedido do Superintendente da Real Casa da Moeda, Petrés foi o responsável pela ampliação da sala de fundição (1796), que diminuta, corria risco de incêndio. A complexidade do trabalho requerido, que exigiu teto abobadado, corrobora para demonstrar a relevância da atuação do arquiteto nesta delicada tarefa.
Domingo de Petrés não trabalhou apenas em Bogotá. Em Chiquinquirá, no Departamento de Boyacá, a 134 quilômetros de Bogotá, projetou e construiu a Basílica de Nossa Senhora do Rosário (1795-1818). O provincial capuchinho Adrés de Aras não queria que o arquiteto se encarregasse de obras para outras congregações. Isto gerou outro conflito na relação entre dominicanos e capuchinhos. Apesar disso, Petrés edificou o templo, orientando os operários nas oportunidades em que pode se fazer presente.
Devido aos danos causados pelo terremoto de 1785, Petrés fez reparos também na Igreja da Conceição, localizada na Calle 10, núm. 9-50.
Quando esteve envolvido com o projeto da Basílica de Nossa Senhora do Rosário, em Chiquinquirá, Domingo de Petrés passou por Zipaquirá. Nesta povoação, queriam ampliar a igreja. Para tanto, a Junta de Notáveis envolvidos com o assunto aproveitou para consultá-lo. Resultou que Petrés projetou e assumiu a condução das obras da Catedral da Santíssima Trindade e Santo Antônio de Pádua de Zipaquirá, em 1801, outro trabalho que não veria concluído quando de seu falecimento. As torres seriam feitas por Jacinto Flores, terminadas em 1847.
Obra ímpar na produção arquitetônica de Domingo Petrés é o prédio do Observatório Astronómico Nacional de Bogotá (1802-1803). Trata-se do primeiro edifício realizado na América Latina para fins científicos. Segundo afirmam pesquisadores colombianos, sua concepção teria se baseado nos observatórios de Greenwich e da Stellata. Antecede em um século, por exemplo, o edificado em Porto Alegre. Importante destacar as volumetrias de ambos, o que permite afirmar que o de Bogotá é um precedente do exemplar brasileiro. O observatório colombiano, patrocinado e custeado pelo padre, matemático e botânico José Celestino Bruno Mutis y Bosio (1732-1808), é nitidamente neoclássico, à maneira do arquiteto espanhol, neste caso de marcada influência de Vignola. Encontra-se na Carrera 8ª, núm. 8-00, no jardim do Palácio de Nariño, no centro da capital colombiana.
Consta que em 1804, Petrés teria realizado os trabalhos de reconstrução da cúpula da Igreja de San Ignacio, concebida pelo padre italiano Juan Bautista Coluccini S. J. (1571-1641), entre 1610 e 1691, para a ordem jesuítica, na Calle 10, núm. 6-35, entre as Carreras 6ª e 7ª, situada na chamada “Manzana Jesuítica”. A cúpula ruiu no terremoto de 1763.
No ano de 1805, Domingo de Petrés recebeu a encomenda de ampliar a Igreja de San Juan de Dios e o Hospital de caridade com o mesmo nome, obras que realizou entre 1807 e 1811. Na igreja, situada na Calle 12, núm. 9-93, construiu-se a sacristia. O Hospital foi demolido, situava-se nas Calles 112 e 121 entre as Carreras 9ª e 10ª.
Neste mesmo ano esteve envolvido com outras duas obras no interior, Petrés projetou a Catedral da Santíssima Virgem do Rosário de Fucatativá (1805-1807) e a Catedral Basílica Metropolitana da Imaculada Conceição em Santa Fé de Antioquia (1799).
A obra mais significativa foi a que realizou na Catedral Primada de Bogotá (foto da capa). A Catedral foi iniciada em 1572, a partir de um projeto realizado pelo mestre Juan Vergara, com planta de três naves. A obra foi custeada pela Coroa Espanhola e com recursos de moradores da cidade. O atraso da quitação da cota dos habitantes fez com que a construção fosse lenta e que, somada a falhas ocorridas na construção, levaria à queda do teto, em 1601. Ao longo dos séculos XVII e XVIII, uma série de reformas e reparações foram realizadas, até 1740, quando seria concluída. No dia 21 de julho de 1785, o terremoto causou estragos, sendo designado o tenente-coronel Domingo de Esquiaqui para intervir (1790). Na oportunidade, este projetou a sala capitular, um claustro e as sacristias dos canônicos e capelães. Mesmo com as obras inconclusas, o cabildo decidiu comissionar Domingo de Petrés para continuá-las, respeitando o plano traçado pelo militar, concluídas em 1804.
No ano de 1807, o cônego Fernando Caycedo y Flórez, decide pela construção de uma quarta edificação do templo. Domingo de Petrés é chamado para realizar o projeto neste mesmo ano. O arquiteto valeu-se do rígido e austero estilo dórico. O resultado superou as expectativas. Era para restaurar um edifício antigo e resultou em algo totalmente novo, tornando-se a sua obra maior e mais importante na Colômbia, concluída em 1823.
O arquiteto encerrou seu elenco de obras no atual território colombiano com o projeto da Catedral de San Miguel em Guaduas, no Departamento de Cundinamarca.
Frei Domingos morreu em Bogotá no dia 19 de dezembro de 1811. Na localidade em que nasceu, há uma via que leva seu nome. Certamente esta homenagem é fruto da sua trajetória profissional desenvolvida tanto na Província de Valencia, na Espanha, quanto no Vice-Reino de Nova Granada. A originalidade de seus projetos, associados à elevada qualidade técnica das suas obras, fizeram deste religioso um dos melhores profissionais em atividade na América Latina do fim do período colonial e introdutor do neoclassicismo naquele vice-reino espanhol.
Bibliografia:
BERNAL, Ximena Castillo (Coord.). Fray Domingo de Petrés en el nuevo Reino de Granada. Bogotá: Instituto Distrital de Patrimonio Cultural, 2012.
Figuras:
Figura 1 – Retrato a óleo do Frei Domingo Petrés (1759-1811), Museu de Belas Artes de Valencia-Espanha.
Figura 2 – Catedral Primada de Bogotá – Colômbia. Foto: Maturino da Luz, 2014 - Foto da Capa.
Figura 3 – Observatório Astronômico Nacional (1802-1803), Bogotá-Colômbia. Foto: Maturino da Luz, 2014
Figura 4 – Placa em homenagem ao segundo centenário de nascimento do arquiteto capuchinho na fachada da Igreja de San Juan de Dios (1959), no centro de Bogotá-Colômbia. Fonte: Wikimedia, JoseMesaR
Foto da Capa: Acervo do Autor.
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