“Sentados na calçada
Conversar sobre isso e aquilo
Coisas que nóis não entende nada”,
canta Adoniran Barbosa, em Torresmo à Milanesa, trazendo duas questões mais atuais do que eram no século passado, quando ele compôs a canção. Porque dois dos grandes problemas da contemporaneidade são:
- Deixamos de conversar e conversar pressupõe olharmo-nos olho no olho – sem tela -, escutar o que temos para dizer, dispensarmos tempo e cheiro para o outro, o que retoma as bases de quando éramos bebês e nos formamos a partir desse tempo e dessa conversa fiada-cantada que nunca deixarão de ser necessários. E como andam em falta! Daí a importância de os trabalhadores, na canção do Adoniran, estarem juntos, à hora do almoço, conversando sobre isso e aquilo. Isso o que? Aquilo o que? Pouco importa, porque a sustança ali vem da conversa em si, como a da comida vindo do feijão ou da carne. Sim, falta-nos a carne da fala, o feijão da escuta, a carne e o feijão de estarmos realmente juntos. E aqui não tem santo nem remédio nem promessa que substituam a alimentação balanceada de uma prosa qualquer.
- O segundo ponto atualíssimo na canção do Adoniran é a humildade, com humor e picardia, daqueles trabalhadores que assumem não entender nada dos assuntos sobre os quais estão falando. Bingo, que isso nos falta também. Hoje, todos falam, ou melhor, postam e clicam como se fossem especialistas em qualquer assunto. Todos sabemos de tudo. Resultado: ninguém escuta a sequência do vir a saber e, pior, a conversa não tem como avançar, porque uma conversa só avança a partir do momento em que não está saturada. Um desconhecimento leva a uma curiosidade que leva a outra e pouco importa a chegada à sabedoria (que no fundo humano nem existe), porque, como expressou o poeta Constantino Kavafys, o que mais importa é estar indo para Ítaca, e não chegar. Hoje todos falam como se já tivessem chegado, o que é pernicioso para qualquer viagem.
Precisamos viajar mais do que chegar. Precisamos conversar mais do que saber. Outro poeta ensinou um psicanalista que uma de nossas maiores capacidades é justamente a de não saber. Ela é que nos mantém viajando vigilantes, entre conversas e a busca do conhecimento, como os trabalhadores do Adoniran, este mestre tão capaz de não saber e conversar que chegava ao auge de uma interação humana, lá onde a viagem reencontra os seus primórdios. E canta.
<< Gostou do Texto? Avalie e comente aqui embaixo >>
Foto da Capa: Reprodução, Retrato de Adoniran Barbosa, por Zé Otávio