Começo este texto no domingo de manhã, no meio de uma viagem de férias. Para ganhar tempo e não apanhar da família, que tem planos para o dia, já abri o computador com a pauta em mente. Minha ideia era falar sobre quiet quitting e a reflexão em torno deste conceito, que tem me impactado de forma muito curiosa já há algumas semanas. Mas, antes de começar, resolvi dar uma espiada no Twitter, para ver como anda o Brasil. E foi aí que meu tema corporativo morreu.
O primeiro tweet mostrava um vídeo feito por um cidadão de bem, em que ele pergunta a uma senhora visivelmente carente em quem ela vota: Bolsonaro ou Lula? Ela, rindo como ele, responde: Lula.
Com um sorriso, ele diz que então essa será a última marmita que ela irá receber. Sem deixar de enquadrar o próprio rosto rechonchudo, o cinegrafista amador/comprador de votos move a câmera para mostrar a casa pobre e a mulher mais pobre ainda.
Em outro post, o músico Tico Santa Cruz (@ticostacruz) faz uma thread para dizer que sempre apoiou o candidato Ciro Gomes. Porém, não concorda com o seu discurso raivoso e antipetista como arma (fracassada) para alavancar a candidatura. Ele prossegue, dizendo que, diante das pesquisas, está na hora dos ciristas começarem a falar sobre voto útil para derrotar Broxonaro ainda no primeiro turno.
Nos comentários, uma enxurrada de críticas. Entre os que li, dezenas dizendo que os dois candidatos que lideram as pesquisas são a mesma coisa, que o PT roubou o Brasil e só Ciro é a solução, que mesmo diante das ameaças à democracia, votar nulo é um dever do povo limpinho.
Mais adiante, um tweet da Folha de S. Paulo (@folha) conta que uma menina de 11 anos, está grávida pela segunda vez como resultado de um estupro. A criança já tinha dado à luz há um ano, após ser violentada por um primo. Na ocasião e agora novamente, a mãe da menina proibiu o aborto “porque isso é crime”.
Essas três histórias, aparentemente desconexas, me deixam claro que a eleição de daqui 20 dias não vai salvar o Brasil. Se Deus quiser, vamos tirar a famílicia do poder em 03 de outubro, mas não conseguiremos tirar o bolsonarismo de dentro dos brasileiros.
Mesmo que milhões de pessoas por aí a fora recusem o rótulo de bolsominion, o País tem uns 60 anos, no mínimo, até conseguir mudar a mentalidade que mistura reacionarismo, autoritarismo e negacionismo.
O problema não é só Broxonaro no poder destruindo tudo que conquistamos desde 1988. O caos social está garantido quando um cidadão classe média humilha uma senhorinha, sem saber que está mais perto dela do que da elite a qual ele pensa pertencer.
Nosso futuro enquanto nação está em jogo quando parte do eleitorado não entende que um segundo mandato fascista fica mais perto se, ao invés de engolir o nojinho e digitar 13, eu mantenho minha pureza e voto nulo. Claro que todo voto é importante, mas o cidadão de bem – vista ele verde amarelo ou não – parece pensar que o seu é supremo e não pode ser conspurcado com um cívico movimento comunitário.
E, para terminar, como vamos mudar rapidamente um País em que uma mãe sujeita uma criança de 10 anos a duas gravidezes indesejadas? E que faz isso por uma ignorância fomentada por igrejas fundamentalistas e também por Conselhos Tutelares e pelo Ministério da Saúde aparelhados por gente que pretende voltar à Idade Média sem escala pelo Iluminismo?
Termino este texto com a alma mais pesada do que comecei e xuliando (algo como “torcendo”, para quem não é da Fronteira Oeste do Rio Grande) para que Lula tenha um plano para explicar o básico rapidamente depois da posse. É preciso deixar claro que a terra plana não existe, que a ameaça comunista só subsiste no Clube Militar e que, se você é contra o casamento gay, basta dizer não quando alguém do mesmo sexo te pedir para juntarem os trapinhos.
Ah, em tempo, prometo que não vou deixar de falar em quiet quitting numa próxima semana.