Eu gosto de ser bem-humorado.
Gosto não é bem o termo.
O mais correto é dizer que, de maneira geral, eu sou bem-humorado.
É meu jeito, minha essência, sei lá.
Dizem que logo depois que nasci e o médico virou-me para baixo e me deu um tapinha, ao invés de chorar, caí na gargalhada; e fiz com que todos na sala rissem junto: o médico, as enfermeiras, minha mãe…
Reza a lenda que o mesmo aconteceu na minha circuncisão, no meu oitavo dia de vida, como orienta o costume judaico.
Caí na gargalhada!
Sobre a história do tapinha, até acredito. Mas a da circuncisão deve ser exagero.
Por isso é fake news dizerem que fui eu que inventei a famosa frase de que “o judeu é o povo mais otimista do mundo… porque antes de saber o tamanho que ficará, já corta um pedacinho”… Está em qualquer antologia de humor judaico. Mesmo as que foram publicadas antes do meu nascimento.
Dizem que os humoristas, e também os cronistas, são, de maneira geral, pessoas tímidas e até mesmo tristes. Não é o meu caso. O bom humor que revelo – ao menos tento! – nas crônicas, está presente na minha vida pessoal.
Talvez às vezes eu até exagere, mas o fato é que tento levar a vida com alegria.
Maria, minha esposa, diz que tenho a “cuca fresca”, que nunca me preocupo com nada.
Não é isso.
Claro que me preocupo, que me concentro nos problemas e em encontrar as soluções, mas de que adianta sofrer demais? Lamentar-se pelo que já passou?
Que me perdoem os estressados, mas a leveza é fundamental.
Tento buscar o bom humor.
Apesar de tudo.
Das dores.
Dos dissabores.
Das perdas.
E da escalação do Nathan Pescador entre os titulares do Grêmio.
***
Hoje cedo fui à farmácia.
Subi na balança.
– 87kg.
Tirei a carteira do bolso.
Menos 100 gramas!
O celular.
Menos 300!
Resolvi tirar os tênis. Coloquei duas folhas de papel no piso da balança e subi.
Menos 750!
Vi que o caixa observava curioso.
– Estava marcando 87. Agora, já são 85,850 kg. Quase tirei a roupa toda. Mas fiquei com medo de ser preso.
O funcionário foi simpático e prosseguiu no diálogo:
– Atentado ao pudor é realmente um crime!
Respondi:
– No caso, a prisão seria por atentado à estética!
Ele sorriu.
– O senhor está bem!
– Quantos anos você acha que tenho? – indaguei.
– Uns 57 – respondeu o homem, que obviamente “chutou” para baixo.
– Eu tenho 29 anos: mas a bebida, as mulheres, as atuações do Grêmio e as dívidas, que me fazem vir à farmácia só para me pesar e não para comprar alguma coisa, acabaram comigo!
Ele sorriu novamente.
Saí da farmácia feliz.
Já na rua, pensei em criar um jornalzinho, chamado “Droga Ria!”. Fiz até o slogan: “Sorrir é também um bom remédio”. Enquanto ia em direção a um restaurante, onde Maria e eu nos encontraríamos para almoçar, pensei em algumas seções: “Pílulas de Humor”, “Injeção de Ânimo”, “Não seja Xarope”. Também criei, na mente, um personagem hipocondríaco:
Ele sai da farmácia e se despede:
– Eu voltaren!!!!
Mesmo com um ou dois quilos a mais do que gostaríamos, levar a vida com alguma graça retira o peso dos ombros…
***
Quando saio para comer com a Maria, sempre que o garçom traz os menus e entrega um deles para a minha esposa, digo a mesma frase:
– Meu amigo, nesta mesa, só eu escolho a comida! O menu é só para mim!
Devolvo o segundo cardápio e o funcionário me olha com um mix de surpresa e horror diante de tamanho machismo.
Aí emendo:
– O senhor acha que, se ela soubesse escolher direito, teria se casado comigo!?
O garçom sorri e aí devolve o cardápio também para a Maria (talvez até pense: “não soube escolher mesmo!”).
***
Há pouco, enquanto pedimos a comida, Maria me deu alguns chutinhos delicados – mas fiquei roxo – nas pernas, por debaixo da mesa. Achei que fossem sem querer. Mas ela insistiu. Deu mais alguns. Chegou a atingir-me nos joelhos. E sussurrou:
– Você não falou aquela história do cardápio…
Fui sincero.
– Meu amor, estamos juntos há 17 anos e sempre faço a mesma piada. Sei que tu já deves estar cansada de escutar sempre a mesma coisa. Por isso decidi parar de falar isso para os garçons.
Maria olhou-me com seriedade. Pensei que viria um:
– Finalmente! Aleluia!
Mas ela disse:
– Não, não… Sempre que você diz isso, o garçom sorri e depois nos trata com bom humor e ainda maior atenção. Nunca deixe de fazer essa brincadeira!
Olhei para a Maria com emoção.
Assim como em relação ao humor, viver com amor deixa tudo mais leve e bonito.
Foi um almoço maravilhoso.
Na hora de ir embora, quase não disse para o garçom: “Se eu não fosse sair correndo do restaurante e resolvêssemos pagar a conta, quanto custaria?”
Mas não resisti.
Saímos de mãos dadas.
E resolvi nem perguntar para a Maria se ela gostaria que eu abortasse ao menos essa última parte do repertório…
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Foto da Capa: Gerada por IA.