Há jogos que emocionam mesmo quando não está presente nosso time do coração.
Sentamos para assistir tranquilos – cervejinha, acepipes e outros petiscos – mas aos poucos a partida traz emoções inimagináveis.
Dias atrás, chorei ao término da final da Copa Sul-americana, entre Cruzeiro e Racing, da Argentina, em Assunção, Paraguai.
Torci pela equipe brasileira. Ao contrário do que acontece com parte dos torcedores do País, talvez a maioria, não acompanho o movimento dos que preferem ver um time estrangeiro vencer, para não prejudicar suas equipes no ranking nacional de maiores vencedores de títulos.
O único time que torço para que perca sempre é o Internacional, o grande rival do meu Grêmio. Quando estão em campo Coritiba, Athletico, São Paulo, Santos, Corinthians, Palmeiras, Vasco, Flamengo, Botafogo, Fluminense, Atlético, Cruzeiro, Bahia, Sport e Fortaleza, minha torcida é, com raras exceções, pela equipe tupiniquim.
Mas também existe o interesse próprio. Se o Cruzeiro conquistasse o título, mais uma vaga – a nona – seria aberta para a próxima Libertadores, o que daria uma esperança, ainda que mínima, de que essa vaga ficasse com o Tricolor Gaúcho.
Mas como não ficar encharcado de lágrimas ao ver as comemorações da sofrida torcida da equipe argentina?
As cenas dos torcedores do Racing, que invadiram o Paraguai em número muito superior aos cruzeirenses, foram contagiantes. O campeão da Libertadores e do Mundo em 1967, e 18 vezes campeão da Argentina, nunca mais havia conquistado um grande título internacional.
Foi lindo de ver. Havia muitos pais e avós abraçando filhos e netos, aos prantos nas arquibancadas. Fiquei imaginando o alívio dos pais que levaram seus filhos a se tornarem torcedores da sofrida equipe de Avellaneda e a sofrerem por tantos e longos anos; a aprenderem que no futebol muitas vezes amar é, como diz a música de Djavan, “é quase uma dor”.
A festa tinha, acredito, um tanto de expiação da culpa, de alívio. Gremistas que eram crianças na década de 70 e corintianos de 54 a 77 sabem bem o que é essa sensação, ainda que a gente saiba que muito do nosso estilo de torcer e de ser fora dos gramados foi moldado pela dor e pela resiliência.
No último sábado, na final da Copa Libertadores, foi um pouco diferente. Torci desde o início pelo time que se sagrou campeão.
Tenho simpatia pelo Galo Forte e Vingador, com sua torcida apaixonada e vibrante, pelo espírito do “eu acredito” e historicamente um dos times mais prejudicados pela arbitragem no País.
Assim como em Assunção, minha torcida pelo Botafogo em Buenos Aires teve sim um pouco de interesse próprio. A vitória da equipe carioca favoreceria o Grêmio. Abriria mais uma vaga na Sul-americana para meu time e, ainda, classificaria automaticamente o São Paulo para a fase de grupos da Libertadores de 2025. Assim, talvez a equipe paulista entrasse com o sangue um pouco mais doce no jogo do domingo (que terminou em 2 a 1 para a equipe gaúcha).
Mas foi bem mais do que isso!
O Botafogo de Futebol e Regatas, clube que mais cedeu jogadores para a Seleção Brasileira, com presença decisiva especialmente nas três primeiras conquistas do Brasil (58, 62 e 70), nunca havia conquistado um grande título internacional. Um time que teve Didi, Nilton Santos, Jairzinho, Paulo César Caju, Zagallo, Heleno de Freitas, Amarildo, Quarentinha, Gerson, Garrincha e tantos outros craques nunca havia conquistado sequer o continente.
Até o último sábado era o único dos 12 grandes times brasileiros a não ter conquistado uma Libertadores (meu Grêmio já ganhou três!!!)
A palavra pode parecer feia, mas o termo correto e exato é que no ano passado deu pena do Botafogo e, principalmente, dos botafoguenses, quando perderam um título brasileiro que já consideravam seu. A festa antes da hora virou tragédia. A esperança virou pó. Que dor, que humilhação. Brincar com o time carioca virou o bullying predileto do Brasil.
Assim como a torcida do Racing no Paraguai, os botafoguenses tiveram ampla maioria na partida na Argentina.
Se, antes da final, o meu coração já pendia para o time carioca, o início do jogo fez com que a partida ganhasse contornos épicos e minha torcida aumentasse.
O Fogão atuou com dez jogadores desde os 29 segundos do primeiro tempo. Se você não acompanha futebol, esclareço que você não leu errado. Um jogador foi expulso no primeiro minuto da partida!
Conto também que o Atlético Mineiro chegou bem mais descansado à final. Na última terça-feira, o time carioca precisou ir a São Paulo para enfrentar, na grama sintética e com a equipe titular, o até então líder do Brasileirão, Palmeiras. Na capital paulista, fez um grande jogo técnico e físico e venceu o Verdão por 3 a 1. Na mesma data, o Galo mineiro jogou com os reservas contra o Juventude, em Minas, e foi derrotado por 3 a 2.
Ao final da partida, chorei ao ver as comemorações botafoguenses. São sempre impactantes as decisões onde, ao final da partida, jogadores e torcedores da equipe vencedora choram até mais que os derrotados.
Ao ver as cenas dos torcedores do Botafogo – e é claro que haveria também muitas cenas lindas se o Galo tivesse conquistado o título – lembrei-me de uma das mais belas histórias de futebol, contada em minha casa pelo Fernando Vanucci, botafoguense fanático, que faleceu tão cedo, aos 69 anos, em novembro de 2020.
Perguntei ao ex-repórter, redator, plantonista, narrador, apresentador e âncora, que trabalhou em grandes veículos – jornais, revistas e emissoras de rádio e de televisão do País – na cobertura de eventos como Copa do Mundo, Olimpíadas, campeonatos estaduais e nacionais de futebol, vôlei e basquete, F-1, além do Carnaval, sobre qual foi o evento esportivo que mais marcou a sua carreira. Ele respondeu:
“A primeira vez em que levei o meu filho mais velho, Fernando, ao estádio, foi no Maracanã, em 1981. Ele foi todo paramentado: com camiseta, calção e até meiões do Botafogo. O jogo era contra o Flamengo. E havia aquela faixa escrita em nossa torcida que lembrava o dia em que metemos a maior goleada na nossa história neles, com as atuações mágicas do Jairzinho e do Fischer. O Flamengo fez um. Marcou o segundo. O terceiro. Quando o Flamengo viu – e o próprio Zico já contou essa história – que poderia se vingar dos 6 a 0, passou a se matar em campo e acabar de uma vez por todas com aquela faixa (“Nós gostamos de Vo6!) que os atormentava a cada clássico. E o Flamengo fez o quarto, o quinto e o sexto gol. E em cada um dos gols eu olhava para meu filho, sentadinho, triste, ao meu lado, com aquela roupinha do Botafogo.
Depois, o Botafogo entrou em uma interminável série de fracassos. Não ganhava nada e eu via meu filho sempre sofrendo.
Até que em um domingo aconteceu aquela final do Brasileirão entre Santos e Botafogo. Eu estava na Globo trabalhando. De repente, avisaram:
– Tem alguém no telefone chamando por você.
Era meu filho.
– Ele não conseguia falar direito. Chorava. Até que seguiu falar algumas palavras.
– Pai, Pai… nós somos campeões. O nosso Botafogo é campeão do Brasil. Nós somos campeões!
Fiquei com os olhos cheios de lágrimas e a garganta fechada, engasgado de emoção. Nem sei como apresentei o programa naquela noite. Tudo o que sei é que só esperava a hora de ir embora.
Marquei com meu filho e, tão logo terminei o trabalho na emissora, fui até o carro e saí para encontrá-lo em uma esquina. Consegui vê-lo no meio da multidão. Fernando me esperava, com uma bandeira enorme do Botafogo. Ele entrou no carro e seguimos pelas ruas da cidade, festejando, gritando, chorando.
– Foooogoooooo, “Fooooogggoooo.
– É campeão, é campeão.
Foi, sem dúvida, o dia mais importante da minha vida no esporte”.
Nunca esqueci desse depoimento.
Vanucci cobriu seis Copas do Mundo e cinco Jogos Olímpicos. Entrevistou Pelé! E o momento esportivo que mais o marcou foi festejar com o filho, nas ruas do Rio, o Brasileirão do Botafogo!
Viva o Racing!
Viva o Botafogo!
Viva o futebol!
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Foto da Capa: Gerada por IA.