Veja só: 2025 é o quadragésimo ano da redemocratização. Em março de 1985, José Sarney tomou posse na Presidência da República e mandou para a história 21 anos de ditadura militar. Parênteses: no aniversário de 40 anos da vitória da democracia, Lula inaugura o terceiro ano do seu terceiro mandato.
E volto… Sarney, como se sabe, foi aliado dos governos militares que se sucediam desde 1964. Ele aderiu ao então MDB por não concordar com a indicação de Paulo Maluf para disputar a eleição indireta em 1984. E virou vice de Tancredo na composição da chapa da aliança democrática que derrotaria Maluf e os militares. Tancredo fora internado na véspera da posse e morreu em 21 de abril de 2985. Sarney virou presidente efetivo.
Vamos dar uma volta àquele 15 de março, 40 anos atrás, e lembrar um trecho do discurso de posse do ex-aliado da ditadura que aderira ao movimento de redemocratização e assumia a Presidência da República interinamente.
O Governo não deve anunciar planos de impacto, novos programas e novas obras antes de fazer, de imediato, um levantamento da situação financeira do setor público… O Governo não deve anunciar nada que não possa ser executado, nem enganar o povo com promessas que não possam ser cumpridas… disse Sarney naquele 15 de março de 1985.
Agora, voltemos para mais perto. Ao dia 14 de março de 2023, exatamente 39 anos depois do discurso de Sarney e quando recém começava o terceiro mês do terceiro governo lulista. Olha o que disse o presidente Lula em reunião com os ministros.
Nós não queremos que nenhum ministro, ou ministra, anuncie publicamente qualquer política pública sem ter sido acordado com a Casa Civil. Nós não queremos propostas de ministros. Todas as propostas de ministros devem ser transformadas em propostas de governo. A gente também não pode correr risco de anunciar coisa que não vai acontecer, advertiu Lula.
Discursos parecidos, para não dizer idênticos, não? Passados 40 anos, o dilema do governo segue o mesmo: conciliar a necessidade de redução de gastos com a execução de programas que reduzam as desigualdades sociais e regionais.
Já se vê, depois da eleição das mesas diretoras da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, que o governo não terá vida fácil para aprovar a pauta que lhe interessa em 2025. E a antecipação do debate eleitoral tende a agravar as dificuldades. Mais poderoso desde o governo Bolsonaro, quando assumiu, quase plenamente, a execução do orçamento, o parlamento vai tentar impor sua força na votação de qualquer projeto. A oposição vai cobrar caro, quando não derrotar o governo sem barganha.
Lula sabe disso. Tanto que já fala em ter um vice do Centrão, de preferência do PSD, cujo presidente, Gilberto Kassab, diz que ele, Lula, hoje, não ganharia a eleição e chama de fraco o ministro Fernando Haddad, a quem cabe a missão de executar um programa econômico que seja um fortificante da candidatura petista. Para quem gosta de espaços de poder e quer se cacifar para a sucessão de Lula, Kassab não poderia ter sido mais certeiro, não é mesmo?
Menos mal para Lula que o líder do PSD no Senado, o baiano Otto Alencar, na contramão do que diz Kassab, firma que Lula é forte candidato à reeleição, garante que o presidente terá apoio dos pessedistas baianos e diz que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, está forte no Senado e na Câmara dos Deputados.
No dia da eleição das mesas do Congresso, as lideranças da oposição já deram algumas dicas do tratamento que preparam para o governo. Um tema caríssimo ao governo está na pauta do pessoal da direita: a anistia aos condenados pelos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
Enquanto o senador Randolfe Rodrigues, novo líder do PPT, diz que não há clima, nem voto, para aprovar a anistia, principalmente depois das últimas revelações de detalhes da tentativa de golpe, dois representantes da direita garantem o contrário.
Sóstenes Cavalcante, líder do PL na Câmara dos Deputados, diz não ligar para a rejeição popular e até de alguns direitistas e já ameaça o presidente Hugo Motta com toda a bancada do partido, de 90 deputados, obstruindo os trabalhos se o projeto de anistia não for levado a plenário.
O senador Flávio Bolsonaro afirma que os novos presidentes da Câmara e do Senado assumiram compromisso de votar o projeto que anistia os punidos pelo quebra-quebra na Praça dos Três Poderes, mas mira, mesmo, é a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Aliás, já tramita na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, apresentado pelo notável (notório?) bolsonarista gaúcho Bibo Nunes (PL/RS), uma nova tentativa de livrar Bolsonaro da inelegibilidade.
É um projeto que reduz o prazo de impedimento de disputar eleição de oito para dois anos dos políticos condenados por abuso de poder político ou econômico e uso indevido dos meios de comunicação. Tudo a ver com o ex-presidente, que ainda pode virar réu em outros processos. O relator da matéria na CCJ é, por coincidência (?), o bolsonarista Filipe Barros (PL/PR). A ver como caminha mais essa tentativa de salvar Bolsonaro.
E quem ainda tem alguma esperança de surgimento de uma terceira via na próxima campanha de 2026 pode tirar o cavalo da chuva. O senador Ciro Nogueira (PP/PI), que já ganhou eleição aliado a Lula, foi ministro de Bolsonaro e hoje, corajosamente, nomeia o ex-presidente inelegível como um grande estadista, ao lado de JK, Getúlio e Lula, diz que enquanto os dois – Lula e Bolsonaro – existirem, a polarização não acaba, nem diminui.
Ciro Nogueira tem se apresentado, modestamente, como candidato a vice de qualquer candidato da direita. “Eduardo, Flávio (os dois filhos do ex-presidente), Tarcísio (de Freitas, governador de São Paulo)… qualquer um. Mas eu gostaria mesmo que fosse o Bolsonaro, disse o senador piauiense em entrevista ao Platôbr, portal de notícias políticas de Brasília.
Com o PSDB se desmilinguindo todos os dias e prestes a ser engolido pelo PSD (se depender da governadora de Pernambuco, Raquel Lira), pelo PMDB (de cuja costela nasceu) ou pelo Podemos, a terceira via fica, mesmo, cada dia mais difícil de ser aberta. O que, para Lula e a extrema direita, acaba não sendo tão ruim…
Mas não é só na política que vai precisar desviar de muitas cascas de banana. O projeto de isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais, apontado como remédio contra a baixa popularidade de Lula e do governo, vai enfrentar forte oposição no Congresso. A isenção tem um efeito colateral. Para cobrir o que deixar de arrecadar com a isenção, o governo propõe taxar quem ganha mais de R$ 50 mil por mês. E esse efeito alcança muita gente na Câmara e no Senado. Mas o argumento contra a taxação é antigo: os brasileiros já pagam muito imposto…
Apesar disso, o novo líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, acredita que o governo consegue aprovar a anistia, o corte nos supersalários e até no sistema previdenciário dos militares. Otimismo é bom, embora o realismo seja melhor.
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Foto da Capa: Wikipedia