Neste 15 de junho de 2024, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, meio que plagiou Tom Jobim. Há várias décadas, o maestro e compositor disse que o Brasil não é para principiantes. Há quem afirme que, em lugar de principiantes, o maestro disse amadores…
Pois num evento com empresários, em São Paulo, organizado por Eduardo Moreira, criador do Instituto Conhecimento Liberta (ICL), Haddad lamentou e O Globo publicou:
“O Brasil é uma encrenca, né? É um negócio difícil de administrar”.
Duvido que Haddad, mesmo sem pronunciá-la, não tenha lembrado da frase de Tom durante a palestra. Tem toda a razão, o ministro. E olha que ele não é nenhum principiante. Nem, muito menos, amador. Aqui, abro aspas para os queixumes do ministro na palestra de sábado:
“Às vezes, quem está numa posição de poder não está fazendo a coisa certa pelo país. Isso é a coisa mais triste da vida pública”.
“Você tem país de ouro, povo de ouro, uma coisa maravilhosa, mas vê que quem pode fazer a diferença nem sempre está pensando em interesse público”.
“Às vezes, quem está numa posição de poder não está fazendo a coisa certa pelo país. Isso é a coisa mais triste da vida pública”.
Essas reclamações do ministro da Fazenda me levam a outros dois políticos. Ulysses Guimarães e Leonel Brizola. O Senhor Diretas, presidente da Assembleia Constituinte, disse uma vez:
“Você acha este Congresso ruim? Então espere para ver o próximo”.
Há uma outra versão dessa fala do Ulysses:
“Você acha este Congresso ruim porque ainda não viu o próximo”.
Decisões de um número expressivo de deputados federais, nos últimos dias, mostram o acerto da projeção de Ulysses e dão razão a Haddad. Pense: pode haver Congresso pior que esse que, enquanto a sociedade espera soluções para a crise econômica, para o equilíbrio das contas públicas, para a melhoria dos sistemas de saúde, da educação e da segurança, deixa tudo de lado e aprova urgência para votar um projeto equiparando o aborto ao crime de homicídio?
Para além do fato de deixarem pra lá a agenda de Estado, o que se vê nessa tentativa de aprovar a toque de caixa (perdão pelo lugar comum) o projeto do aborto, é uma profunda desumanidade. Hoje, a lei brasileira considera legal a interrupção da gravidez por três motivos: estupro, risco de vida da mãe e anencefalia do feto. Sem estabelecer nenhum prazo para o aborto.
O projeto do aborto em tramitação na Câmara, do deputado Sóstenes Cavalcanti, do PL/RJ (com essas ideias, de que outro partido poderia ser?), estabelece prazo de 22 semanas para a interrupção da gravidez. Passado esse tempo, o aborto, caso o texto seja aprovado, será considerado homicídio e a mulher estará sujeita a pena de até 20 anos de cadeia. E veja só: a pena máxima para estuprador, no Brasil, é de 10 anos de prisão.
Cobrado dessa barbaridade, o deputado pastor Sóstenes, seguidor de Silas Malafaia, guru da bancada evangélica, vai propor uma emenda ao projeto do aborto. Para preservar os direitos de todas as meninas e mulheres vítimas de violência sexual? Claro que não. Ele vai propor o aumento da pena aos condenados por estupro para 30 anos…Simples, não? E raso, como a visão dele, Sóstenes, da política.
Outra decisão do parlamento que dá razão a Tom, Haddad e Ulysses é a de desengavetar e aprovar a votação em regime de urgência de um projeto que proíbe acordos de delação premiada com pessoas presas. O projeto foi puxado de um escaninho qualquer pelo presidente da Câmara dos Deputado, Arthur Lira (PP/AL), com a clara intenção de beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro, denunciado pelo ex-ajudante de Ordens, coronel Mauro Cid em acordo com a Polícia Federal.
Parece que a jogada do presidente da Câmara vai dar em nada. Juristas sérios dizem que o projeto não pode alcançar acordos já validados na Justiça. A ver…
Essas decisões esdrúxulas do parlamento, somadas a seguidas derrotas do governo na pauta econômica, são atribuídas a uma certa disputa entre as equipes política e econômica do governo e à falta de articulação política com o Congresso. Os dois problemas são filhotes desse nosso presidencialismo de coalizão.
Em busca de uma tal governabilidade, o presidente da República acomoda gente do maior número possível de partidos em cargos de primeiro escalão. O ministério de Lula tem representantes de 12 partidos políticos. A Câmara dos Deputados tem representantes de 23 legendas. Uma verdadeira geleia geral, que se movimenta muito mais em função de interesses paroquiais, corporativos e até pessoais, do que por espírito público, em torno de uma agenda de Estado.
Resta torcer para que a mobilização pelo bem comum, que se viu na tragédia do Rio Grande do Sul, um dia contamine nossos políticos. Ah! Ia esquecendo que lá no começo lembrei do Brizola. Aí vai a declaração dele, que, me parece, cabe bem na nossa atualidade:
“Estou pensando em criar um vergonhódromo para políticos sem-vergonha, que ao verem a chance de chegar ao poder esquecem os compromissos com o povo”.
Foto da Capa: Paulo Pinto / Agência Brasil
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