As notícias divulgadas amplamente pelos meios de comunicação referentes aos escândalos do INSS são aterradoras. Os fatos narrados descrevem o pior escândalo de corrupção já descoberto no Brasil pela sua crueldade, pois tiveram como principais vítimas justamente a população idosa mais pobre do país, mais fragilizada, mais carente e com menos recursos de se defender, seja em razão dos locais distantes em que vivem, da pobreza material imensa que passam para sobreviver, dos problemas de saúde tão frequentes, das dificuldades de acesso às tecnológicas necessárias para efetuarem reclamações, do difícil acesso à justiça, do grande volume de trabalho das defensorias, fatores que fazem com que as pessoas até desistam de buscar valores menores do que os honorários mínimos indicados na tabela de honorários da OAB que lhes seriam cobrados por um advogado, mas que para elas podem significar o remédio para o coração que não puderam comprar ou o pão para lhe matar a fome.
Para piorar, vem sendo divulgado pela imprensa que as pessoas idosas foram vítimas de outros golpes, em razão de empréstimos consignados, que só no ano de 2023 totalizaram cerca de 90 bilhões de reais. Isso está sob investigação da Polícia Federal, conforme publicado no site da revista Veja, em 06 de maio, às 08h03min:
“A investigação da Polícia Federal (PF) sobre a “farra do INSS” — que envolve cerca de 6 bilhões de reais em cobranças indevidas de aposentados e pensionistas — atingiu empréstimos consignados suspeitos realizados através do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). A nova linha de investigação mira empréstimos liberados indevidamente, sem solicitação ou autorização por parte do aposentado. Quase 90 bilhões de reais em empréstimos liberados para beneficiários do INSS apenas em 2023, de modo que a cifra a ser apurada pela PF nessa fase da investigação é substancialmente maior do que os 6 bilhões de reais em supostas cobranças indevidas – dando nova dimensão ao escândalo. Segundo uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU), à qual a colunista Daniela Lima, do G1 teve acesso, mais de 35 mil reclamações referentes a empréstimos indevidos foram realizadas em 2023. A Polícia Federal investiga inclusive um suposto elo entre as cobranças indevidas de associações, que originaram o escândalo no INSS, e a contratação de empréstimos consignados sem autorização dos aposentados… A suspeita é de que há uma sobreposição entre as práticas fraudulentas, de modo que as empresas pudessem cooptar mais vítimas.”
Creio que a verdade, mais cedo ou mais tarde, virá à tona e os crimes cometidos serão apurados. A Polícia Federal no Brasil funciona bem, prende bem, o que é uma desgraça para muitos criminosos, e alguns congressistas estão lutando com bravura para a instalação da CPMI do INSS, o que permitirá que as investigações sejam reforçadas e aprofundadas “doa a quem doer”. Descobrir para onde foi o dinheiro é uma boa forma de identificar os criminosos e então condená-los por seus crimes.
Obviamente, nada aconteceu do nada. Crimes dessa magnitude, que ocorreram reiteradamente, por anos, jamais teriam chegado a essa magnitude, por tanto tempo, sem um grande planejamento e sem que muitas pessoas estivessem envolvidas e sabendo do que estava acontecendo, ainda mais que notícias sobre os descontos indevidos já eram de conhecimento até mesmo de governos anteriores, o que levou o ex-presidente Bolsonaro a editar uma medida provisória para proibir esses descontos. Segundo publicado no site da CNN, em dia 24 de abril de 2025, conforme informado na publicação acima referida, abaixo reproduzida, o Congresso flexibilizou a regra que restringia o esquema do INSS, sendo que o primeiro movimento ocorreu em 2019 e o segundo no ano de 2022:
“O primeiro movimento ocorreu no governo Jair Bolsonaro após a edição da Medida Provisória 871 de 2019. Formulada pelo comando do INSS à época, ela visava combater fraudes fiscais, dentre as quais a apontada pela PF de um esquema de descontos associativos não autorizados em aposentadorias e pensões. O texto original da MP previa a obrigatoriedade da autorização do desconto e sua revalidação anual. Durante a tramitação, porém, esse prazo de revalidação foi ampliado para três anos a partir apenas de 31 de dezembro de 2021. Segundo fontes do Congresso, por pressão de integrantes do Centrão e da base sindical do PT.
…
Procurado, o relator da MP 871, Paulo Eduardo Martins (PL-PR), atual vice-prefeito de Curitiba, encaminhou a seguinte nota:
“A investigação atual mostra que o espírito do texto da MP estava correto e explica a razão de haver tanta resistência às mudanças que pretendíamos. Que sejam todos presos.” Em 2022, uma nova operação política voltou à tona, desta vez para eliminar qualquer necessidade de revalidação da autorização associativa.
Desta vez, durante a tramitação da Medida Provisória 1107 de 2022. Seu texto original sequer tratava de temas previdenciários. Versava sobre microcrédito digital para empreendedores. Mas, durante sua tramitação, foi inserida a revogação da necessidade de revalidação do desconto associativo.
Essa versão de que houve uma alteração na medida e não na revogação foi corroborada pelo UOL, numa publicação de 07 de maio de 2024, que, no entanto, esclarece que a “Lei de combate a fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) sancionada por Bolsonaro não foi derrubada pelo governo Lula. A norma de 2019 continua em vigor, mas sofreu alterações aprovadas pelo Congresso em 2022, quando o presidente do Brasil ainda era Jair Bolsonaro (PL).”
Pior do que os crimes cometidos contra a administração pública (INSS) são os danos materiais e morais sofridos pelas pessoas idosas que, com frequência, precisam contar os centavos para comer, comprar seus remédios, pagar a luz, etc., com uma pensão que é menor do que o auxílio alimentação de muitos servidores públicos.
O que realmente aconteceu e a correta extensão ainda dependerão de muitas investigações e de um bom crivo judicial. As narrativas são as mais diversas possíveis, sobre quando começaram as fraudes, seus montantes e a cada dia aparecem notícias piores.
Como já salientei em outro artigo sobre violência cometida contra a pessoa idosa, o Estatuto da Pessoa Idosa se destina a regular os direitos das pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. De acordo com esse estatuto, “a pessoa idosa goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.”
Importante destacar que, de acordo com o EPI, é “obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do poder público assegurar à pessoa idosa, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”. A pessoa idosa tem direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, e cabe também ao Estado evitar que ela sofra violência patrimonial ou psicológica, que viola a sua dignidade, lhe causa tristeza, ansiedade, angústia, privações e até mesmo problemas de saúde e jurídicos.
Quando o Estado permite que tais crimes ocorram justamente contra as pessoas idosas, ele está falhando justamente no seu dever de proteger a integridade física, psíquica e moral dessas pessoas, está sendo no mínimo negligente. Importante destacar que o EPI expressamente prevê que a pessoa idosa não pode ser objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, e todo atentado aos seus direitos, por ação ou omissão, será punido na forma da lei.
Em razão do número de reclamações que o INSS já havia recebido, parece-me que houve evidente negligência, a ausência de amparo, omissão do cuidado necessário para proteger o idoso, o que pode caracterizar a violência institucional contra os idosos. Violência institucional é aquela exercida dentro de um ambiente institucional que pode ser público ou privado. Ela pode ocorrer por meio de ações ou omissões, inclusive por negligência. Pode ser, por exemplo, uma ação desatenciosa, ou uma omissão de um funcionário em cumprir algo que deveria fazer, ou até mesmo crimes dolosos praticados por funcionários dessa instituição contra terceiros. No presente caso, essa violência foi dolosa, ocorreu dentro do INSS, e foi uma ação voltada a surrupiar o dinheiro dos velhinhos e velhinhas mais desamparados, e que não são mais nem obrigados a votar. Parece que contavam com a certeza da impunidade. A vergonha e maldade são tão grandes que até parece que eles não tiveram avós, pais ou conheceram pessoas pobres que passam até fome em razão do valor ínfimo das aposentadorias no Brasil.
Assim, entendo que, além de caber ao Estado apurar quais foram os crimes, seus autores e partícipes, e punir severamente os responsáveis criminalmente, há o dever de devolver as importâncias “surrupiadas” dos idosos com a maior brevidade possível, bem como de indenizar os danos materiais e morais que essa demora do INSS em perceber o que estava acontecendo e impedir a continuidade dos crimes tenha causado às pessoas idosas. Triste Brasil, o que vivemos! Os criminosos, ao contrário do Robin Hood, procuram lesar justamente as pessoas mais frágeis. Uma CPMI do INSS é imprescindível pela gravidade dos crimes cometidos e pelo silêncio de grande parcela dos políticos que juram se importar com os pobres.
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Foto da Capa: Divulgação / PF