“O Brasil voltou”. Esse era o que a delegação cantava quando o presidente eleito Lula esteve na COP-27, a Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas realizada no Egito. Em um misto de orgulho e alívio, os ambientalistas lá presentes saudavam a volta da presença brasileira nas negociações sobre meio ambiente.
Durante os 4 anos do governo Bolsonaro, houve um desacerto e antipatia mútuas entre todos que de alguma forma se importam com o meio ambiente e o Brasil. De potência ambiental, campeão da biodiversidade passamos à condição de pária e ameaça global ao planeta e ao clima.
Somos um país de centenas de milhões de habitantes, uma economia diversa, com uma seleção de futebol 5 vezes campeã mundial, mas os governos, investidores e organizações sociais estrangeiras, quando olham para o Brasil, enxergam a Amazônia. Poderíamos dizer que não é a Amazônia que faz parte do Brasil, mas que o país é um apêndice da floresta. São Paulo segue sendo dinâmica e gerando negócios 24 horas por dia, o Rio de Janeiro continua lindo, mas os governos e a opinião pública do Exterior querem saber mesmo o que vamos fazer com nosso imenso patrimônio natural.
Jonathan Watts, editor global de meio ambiente do jornal inglês “The Guardian” e marido da conhecida jornalista e escritora brasileira Eliane Brum, publicou artigo com uma lista de 7 razões para ser otimista e 3 para se assustar com a Amazônia em 2023, local onde vive, no município de Altamira, no Pará.
7 razões para ser otimista:
- Pior que está, não fica – o desmatamento cresceu 59,5% durante o período Bolsonaro junto com a explosão do garimpo ilegal que mata rios contaminando-os com o mercúrio e ameaçando as terras e a sobrevivência dos povos indígenas na região. Tudo fermentado em um caldo de impunidade e desmonte das instituições ambientais.
- A volta de Marina Silva – ela é a figura da Amazônia mais conhecida ao redor do globo e carrega o mérito de, no governo Lula, ter implementado políticas que levaram a 80% de redução no desmatamento. Como diz o jornal inglês, seu problema foi ser tão eficiente que fez inimigos poderosos, como o agronegócio.
- O comprometimento de Lula com a Amazônia – a primeira viagem internacional como presidente eleito foi justamente para a COP 27 e a adesão de Marina Silva foi condicionada ao estabelecimento de uma política climática e de acabar com o desmatamento na Amazônia, mas também no Pantanal e no Cerrado.
- Um Ministério do Meio Ambiente mais forte – mais recursos orçamentários para o Ministério, para serem usados em ações de combate ao garimpo e desmatamento ilegais, combate aos incêndios florestais e o restabelecimento do programa “Bolsa Verde” junto com o retorno de funções que haviam sido deslocadas para o Ministério da Agricultura, como recursos hídricos e serviços florestais.
- Punições para os desmatadores – o novo governo sinaliza que os desmatadores enfrentarão multas e processos judiciais com a utilização da tecnologia para identificar áreas desmatadas e traçar o caminho do dinheiro até seus responsáveis.
- Polícia e Exército vão expulsar (alguns) invasores – o jornal prevê que veremos cenas hollywoodianas de desembarque de helicópteros em áreas invadidas com a prisão de criminosos e a queima de equipamentos. Mas isso é somente o início, o combate ao crime organizado na Amazônia consumirá muito tempo e dinheiro.
- Nova conjuntura nacional e internacional – a criação do Ministério dos Povos Originários, as novas regulações da União Europeia mirando a rastreabilidade e o fim de compras de produtos originados de desmatamento e o novo acordo da biodiversidade costurado em Montreal que promete 30 bilhões de dólares até 2030 fortalecerão os compromissos ambientais do governo brasileiro.
Mas o diário britânico aponta que há perigos que rondam a Amazônia:
- Polarização: em um país com divisões políticas profundas e com um Congresso hostil, a discussão de verbas e de legislação estará sujeita a concessões para a bancada ruralista.
- Mercados continuam investindo na morte – “A Amazônia jamais estará segura enquanto árvores valem mais mortas do que vivas”, diz o The Guardian. O mercado valoriza mais os produtos que destroem a floresta como ferro, ouro, gado e madeira do que a manutenção da floresta, incentivando a destruição. Os governos dos países desenvolvidos precisam contribuir de verdade para a conservação das florestas tropicais e incentivar o uso racional dos recursos naturais e o desenvolvimento socioeconômico de quem a preserva.
- O tempo está passando – a ação dos governos tem sido lenta frente aos desafios ambientais e a Amazônia não é uma exceção à regra. Vários cientistas alertam para a proximidade do ponto de não-retorno, estimado quando a floresta perder 20% a 25% de seu território, levando junto sua resiliência, a capacidade de se recuperar dos impactos produzidos pelo homem. Estamos flertando com o desastre: atualmente a área perdida de floresta está em torno de 17% enquanto uma área de grandeza semelhante encontra-se degradada.
Jonathan alerta que, para frear a destruição, serão necessárias medidas mais ousadas por parte do governo brasileiro que tem a tarefa urgente de reconstruir sua capacidade de governança na Amazônia. Nada disso sairá do papel sem o comprometimento político e financeiro efetivo dos governos estrangeiros. Se a crise climática é global, as soluções também terão que ser.
As conclusões do britânico se assemelham às do diagnóstico do Grupo de Transição que realizou uma radiografia do governo Bolsonaro e recomendou medidas para que fossem tomadas pelo futuro governo. Reestruturar políticas públicas, marcos regulatórios e o poder de fiscalização do Estado será um desafio imenso que se torna maior quando terá que ser realizado junto com o combate às invasões às terras indígenas, ao desmatamento, à grilagem e ao garimpo ilegais.
Não bastará ao Brasil voltar para as conferências internacionais, o País terá que voltar para a Amazônia.