Há um conto bastante conhecido – e negligenciado – em que a morte chega ao vivo para buscar um sujeito. Ele se revolta com a situação presente, mas também por não ter sido avisado antes. Ela discorda e alega que o havia alertado, com frequência. Ao que o sujeito assegura que as mensagens não tinham chegado, ela relembra cada uma delas, tintim por tintim. Uma foi quando ele começou a enxergar pior. Outra quando passou a ouvir menos. A caminhar mais devagar. A não comer carne dura. A esquecer-se. Sem mais argumentos, o homem se deixa levar.
Há um conto, que não escrevi, sobre um velho Super-Herói e, ainda assim, realista. Ele toma providências, diante de cada um desses avisos macabros. Óculos para a visão, aparelho para a audição, ginástica para a marcha, conserto para as obturações desgastadas e, principalmente, suplemento de vitaminas, sais minerais e outros que tais, com uma qualidade de vida de assustar a morte. Não escrevi, mas tento pôr em prática, na medida em que as compulsões permitem, o que não costuma ser frequente. De qualquer forma, nos momentos pontuais de vida saudável, permanece aquela ilusão de que o corpo está fechado para a morte, o que inclui o calcanhar (de Aquiles), para o qual a Professora Gracielli Ribeiro propõe exercícios semanais de flexão e extensão.
Mas, dia desses, amanheci com uma mancha na unha. Para um 60 mais, um mau sinal, possivelmente. Para o Google, provavelmente. Para a hipocondria, certamente. Sim, o calcanhar havia se deslocado para a unha e tratei de mandar uma foto para o dermatologista Joel Schwartz. 60 mais igualmente, ele alegou que precisava ver ao vivo, com o auxílio de duas lentes. Depois de averiguar com o cuidado de sempre, assegurou que era apenas uma hemorragia reversível, ainda antes dos 70 mais.
Mas ele é rigorosamente científico, logo aprecia causas. E concluiu, de forma inconteste, que estávamos diante de um envelhecimento do leito ungueal. Traduzindo em linguagem leiga, as minhas unhas também estavam velhas. Até tu, Unhas? – clamaria Julio Cesar, mas eu preferi me calar. Só me pronunciei quando o Joel falou em prescrever uma medicação, cujo único efeito colateral seria mascarar os resultados dos exames de tireoide.
Não, isso não convém para um 60 mais. A alternativa foi valer-se de um esmalte local, aplicado em cada unha, duas vezes por semana. Eu mesmo aplico, com o auxílio de uma lupa. Manicures, afinal, trabalham em ambientes fechados e convém evitá-los nesse inverno rigoroso para os humanos e prometedor para os pneumococos.
Foto da Capa: Freepik
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