No sul do Brasil são poucos dias no ano em que a temperatura chega aos 40°C, mas vem aumentando os dias de calor intenso nos últimos anos. Quando eu era criança, vivia no interior e lembro dos dias quentes de verão em que as atividades nas propriedades rurais, independente do tamanho, eram feitas no amanhecer e no entardecer. Durante o sol quente, as pessoas ficavam embaixo das árvores se hidratando, e pasmem, com água quente (chimarrão). Nas cidades, trabalhavam os que tinham um ventilador por perto, ninguém era louco de fazer uma atividade exposto ao sol quente.
Se os nossos avós fossem vivos, teriam muitas dificuldades de entender o que aconteceu no último sábado no “Forno Alegre”, como é conhecido Porto Alegre no verão. Foi realizada uma partida de futebol pelo campeonato gaúcho entre Grêmio e São Luiz, às 16h, com um sol escaldante, temperatura de 37°C e sensação térmica de 44°C. Apesar de ser colorado e ter ficado contente com o empate do Grêmio, é inadmissível que os organizadores não considerem as condições inapropriadas para a prática deste esporte nestas condições, bem como de expor 15 mil pessoas à esta temperatura por mais de duas horas. No dia seguinte, foi a vez do sofrimento das meninas, foi realizada a supercopa do Brasil de Futebol Feminino, onde jogaram às 10h30min do domingo no estádio Beira Rio, Internacional x Corinthians com a temperatura de 35°C e a sensação térmica de 40°C. Alguém dirá: “Mas o calor não importa para quem está em casa na frente da TV e no ar-condicionado”. Importa sim, pois o espetáculo é prejudicado. Ninguém gostaria de assistir um show em que o vocalista e a banda se apresentem exaustos em função do calor. No estádio ou em qualquer palco, esperamos ver o melhor desempenho de quem está oferecendo o espetáculo e para isto é necessário que existam as melhores condições para esta apresentação.
E quem foi para o carnaval? As pessoas enfrentaram temperaturas altas, calor intenso, se aglomeraram nas ruas para festejar o carnaval. Nas cidades de praia, talvez tenham podido se refrescar num banho de mar, mas em outros lugares não houve cerveja que as refrescasse. Certamente também houve muito desgaste nestes corpinhos.
A temperatura considerada ideal para o conforto térmico do nosso corpo é de 20°C, tudo que vem acima disto, é sobrecarga. Imagine uma máquina que é projetada para trabalhar com uma determinada carga, quanto maior for a sobrecarga que receber, menor será a sua vida útil. Os especialistas dizem que 32°C seria a fronteira para a zona de perigo do funcionamento do nosso corpo. A temperatura é um dos elementos, que se relaciona com outros, como a umidade. Se, além de quente, o ar estiver úmido, a transpiração não conseguirá resfriar suficientemente o corpo e o problema se agrava. Com “uma sobrecarga” o corpo fica sob ameaça de estresse térmico. Assim como na máquina, o desgaste pode não aparecer imediatamente, mas ele ocorre.
Alguns estudos já apontavam 2023 como o ano mais quente da história do Planeta. Existem previsões que as temperaturas continuem subindo. O problema não é só a elevação da temperatura, mas a rapidez com que isto vem acontecendo, o que não dá tempo de nos adaptarmos a estas mudanças. O calor poderá se transformar no maior desafio da humanidade, tornando algumas regiões e cidades inabitáveis.
As causas do aquecimento global e o que devemos fazer já são temas bem conhecidos, quase todos concordam que precisamos reduzir as emissões de CO2 e ninguém questiona que a sombra de uma árvore é o melhor lugar para estar ao ar livre. Colocar isto na prática é o grande desafio.
Voltando ao exemplo do futebol. Os clubes possuem milhões de torcedores, jogadores com salários milionários, movimentam orçamentos maiores que muitas empresas e municípios, e apesar disso não conseguem definir um horário razoável para oferecer este espetáculo. O interesse econômico de uma empresa, a que irá transmitir o jogo pela TV, está acima de tudo, inclusive do calor e da saúde de todos os envolvidos. Os próprios torcedores deveriam protestar contra quem impõe estes horários, pois estão sendo prejudicados de ver o melhor desempenho dos seus jogadores. Falta as torcidas e todos nós tomarmos consciência de que o calor/mudanças climáticas é um problema a ser enfrentado por todos.
É importante nos darmos conta de que “o calor é mais quente para alguns”. Precisamos estabelecer políticas e estratégias para enfrentar o aquecimento global, com especial atenção aos que serão mais afetados. Imagine a vida do ambulante que passa o dia trabalhando na rua, ou dos idosos que vivem em ambientes sem ar-condicionado? Uns sofrem mais que os outros, seja pela sua condição social, seja pela sua condição etária. Surge um novo termo a ser debatido: “justiça climática”.
Referência:
O Brasil terá cidades inabitáveis por causa do calor?
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