Uma história leva à outra e, no por enquanto delas, o mundo não acaba. Sherazade que o diga… Acho que essa começa naquela de Françoise Sagan, lá pelas tantas da sua vida, dirigindo-se aos editores. Mas não há história boa sem haver surpresa e aquela era boa, justo por ser surpreendente. Sagan maldizia alguns profissionais que a haviam editado, mesmo que o livro não fosse bom, e ela não pudera perceber. Fracassaram em sua tarefa – assegurava a autora.
Mesmo que até agora eu não tenha me tornado nenhuma Françoise Sagan, tenho uma história para conversar com a dela. É que já cheguei num ponto em que uma oferta de edição mais me é aceita do que não. Não porque o livro esteja supimpa, mas porque o editor acredita que a minha estrada percorrida atingiu um número suficiente de leitores e vias de acesso para difundir o próximo livro. Para quem está chegando, pode ser mais difícil: eu mesmo vivi isso, quando ainda estava chegando.
A perspectiva do aceite me torna mais responsável pelo que vou publicar. Muitas vezes, sou o único crítico de mim mesmo e, como a gente mais escreve mal do que bem – a qualidade final depende também de um filtro paciente –, preciso com frequência contar comigo mesmo para o corte. Por contar com um superego bem desenvolvido, acho que vou bem nesse quesito.
Mas a história precisa continuar e a sua personagem principal é a Lourdinha. Eu não a conheço pessoalmente, mas é como se conhecesse. Trocamos mensagens, faz alguns anos, e sou leitor do que ela publica, com uma qualidade tão apurada que sempre desejei ser seu autor. Pois aí está o conflito necessário a uma história. Na primeira vez que mandei um texto para a Abacatte, a editora mineira da Lourdinha, ela respondeu que leu atentamente e não gostou. Apontou os diversos motivos de que já nem lembro.
Depois mandei poemas, depois mandei novas histórias, e a Lourdinha continuou lendo atentamente e negando carinhosamente, com argumentos cada vez mais desenvolvidos. Certa feita, adorou uma história de uma formiga que perdia uma das patas. Mas, cuidadosa, decidiu reler e considerou que o desenvolvimento da trama era muito macabro para os leitores menores. Aqui é preciso dizer que a Abacatte contempla o público infantil e a Lourdinha demonstra muita responsabilidade com as crianças. Ela é tão responsável que chega a pensar, como o Ezra Pound, que um crime literário se equipara a um da vida em si.
Tento não ser um criminoso estético e escrever um texto que encante a Lourdinha. Até hoje não consegui. Claro que pensei em desistir e não foi uma vez só. E só não o fiz, por causa da Lourdinha. Ela insiste em que a gente continue tentando e a verdade é que tentamos. Eu, escrevendo. Ela, lendo.
Lourdinha é hoje o meu ideal. É para onde eu miro e onde mora o meu alvo literário principal. Psicanalista, acreditando no inconsciente, acho que eu mesmo me saboto e, sem querer querendo, conforme o Chaves e o Freud, dou um jeito de a história enfraquecer, antes de chegar no alvo. É que sinto muito medo de que a Lourdinha finalmente considere pronto um livro meu, e eu já não tenha mais o que melhorar na vida.
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Foto da Capa: Gerada por IA