Como explicar que um homem, até então um dito “cidadão de bem”, que levava uma vida considerada normal, tente explodir uma bomba em um caminhão de combustíveis nos arredores do aeroporto de Brasília? Como explicar que milhares de pessoas, convictas de sua condição de “cidadãos de bem”, se tornem criminosos, ao invadir e depredar os prédios dos três poderes? E, o que é pior, cometam esses atos de barbárie em nome de uma causa que está longe de ser nobre? Cometam esses atos para pedir intervenção militar, para pedir um golpe de Estado, por não aceitarem o resultado de uma eleição limpa e democrática? Eleição que, aliás, elegeu um número recorde (e trágico) de políticos aliados à ideologia de extrema direita que defendem. Ah, mas tudo em nome da liberdade… Aqui está a primeira de inúmeras contradições que só fazem sentido em cabeças que já não possuem mais nenhuma capacidade de discernimento.
Essa incapacidade de raciocínio independente não é de hoje. Provavelmente o domínio das mentes de boa parte da população brasileira teve início em agosto de 2018, quando Eduardo Bolsonaro conheceu pessoalmente o estrategista e ideólogo de extrema direita Steve Bannon, em Nova York. Até então, os apoiadores de Bolsonaro limitavam-se àquela minoria que já se identificava plenamente com ele, ou seja, pessoas que não tinham vergonha em demonstrar seus diversos preconceitos, seu ódio, e já apoiavam, sem nenhum pudor, a tortura e a violência, entre outros absurdos. Embora fosse uma minoria, já era assustador o número de pessoas à imagem e semelhança de Bolsonaro. Não à toa, ele conseguiu se eleger 7 vezes deputado federal, em mandatos nos quais os únicos feitos foram palavras e ações que externavam o que o ser humano tem de pior. Mas, a partir do uso das redes sociais, com estratégias que se mostraram poderosíssimas, apoiadas em recursos tecnológicos dos quais ainda não temos real a dimensão de sua capacidade, o número de apoiadores de Bolsonaro começou a disparar. Mas não eram, ou são, apenas apoiadores, são seguidores cegos de uma seita nefasta. Na época, o “gancho” muito bem utilizado nessa estratégia de captação de seguidores foi o antipetismo. O argumento de todo e qualquer seguidor da seita, ao ter suas convicções postas em cheque por fatos ou argumentos, era “ah, mas o PT… o Lula…” O argumento continua válido até hoje, porém atualmente ser a favor desse movimento de extrema direita já é mais forte do que ser contra o PT.
O domínio das mentes bolsonaristas supera filmes e histórias de ficção científica. Porque não se dá através de chips implantados junto com as vacinas contra a COVID, e sim através de dispositivos e aplicativos que nós utilizamos voluntariamente. E as mentiras e absurdos que se espalham e são absorvidos sem nenhum filtro por essas mentes conseguem se superar a cada postagem. Nos dias que antecederam a posse do presidente Lula, circularam nas redes sociais bolsonaristas informações (extremamente sigilosas!) sobre os preparativos para uma intervenção militar que iria impedir a posse. Tal movimento envolveria navios, que já estariam de prontidão em toda a costa brasileira (esqueceram de dizer para eles que Brasília fica a mais de 1000km da costa…), mísseis vindos de Israel, da Rússia, e por aí vai… Pensei: bom, depois que constatarem que nada disso aconteceu, será uma oportunidade para abrirem as cabeças e começarem a questionar as mensagens que recebem… que nada! Sempre há uma explicação para tudo o que ocorre, ou que não ocorre. E é imediata, nem dá tempo nem para pensar! O mesmo ocorreu durante os atos criminosos em Brasília, no último dia 08 de janeiro: as mensagens tocadas nos grupos bolsonaristas foram gradualmente passando de postagens de “patriotas” se vangloriando da quebradeira nas sedes dos três poderes para mensagens atribuindo tais atos a esquerdistas infiltrados. E o resultado dessa manipulação foi que, nos dias seguintes, havia muito pouca condenação a esses atos e muito mais postagens cuja mensagem poderia ser resumida em “vamos seguir em frente”.
Infelizmente, o obscurantismo propagado via redes sociais não se resume à questão política. Ou ao negacionismo em relação a vacinas, por exemplo. É uma ideologia bem mais abrangente. Um dia após os atos criminosos em Brasília, me deparei com uma postagem em uma rede social sobre um assunto que já imaginava superado. A postagem não só questionava, mas ridicularizava, as mudanças climáticas. Deve ser mera coincidência que os últimos oito anos foram os oito anos mais quentes já registrados, segundo informações da Organização Meteorológica Mundial, divulgadas no último dia 12… Não é, bolsonaristas?
Eduardo Baldauf é arquiteto e mestre em Sustentabilidade e Gestão de Riscos