Duas notícias da semana passada me inspiraram a escrever este texto. A primeira foi divulgação do recente lançamento da inteligência denominado “Sora”, que produz vídeos, da mesma empresa que desenvolveu o ChatGPT, a OpenIA. A segunda foi a matéria do Alfredo Manevy, diretor do longa “Lupicínio Rodrigues – Confissões de um Sofredor”, publicada no domingo 3 de março de 2024 na Folha de São Paulo, sobre a necessidade de uma política industrial para o cinema brasileiro.
Mas afinal, o que é este tal de Sora, da OpenAI? Você consegue imaginar um vídeo em que as pessoas, os animais, os carros, as cidades, tudo o que aparece na tela é perfeito, não tem uma distorção, só que nada daquilo existe? Isto é o que faz o Sora! O Chat GPT já tinha uma inteligência artificial para produzir vídeos, mas o que surpreendeu a todos foi o lançamento do Sora em 15 de fevereiro de 2024. Houve um salto de qualidade muito grande em relação às versões anteriores. Confere aqui.
O que faz o Sora? Para produzir o vídeo de até 60 segundos, basta o usuário elaborar uma descrição (prompt) das cenas numa linha ou num parágrafo, tipo: “Quero um vídeo de um surfista pegando uma onda” e o SORA irá criar o vídeo. Quanto mais detalhado for o texto, mais próximo o vídeo será da sua imaginação. Não é fantástico?
O vídeo gerado não terá direito autoral, quem solicitou a sua criação poderá postar e usar onde desejar. Segundo alguns especialistas, em cinco anos será possível produzir um longa metragem no quarto de um adolescente, sem a necessidade de contratar atores, sem ter um diretor e toda a equipe que fazem parte da produção de um longa. Um(a) garoto/garota criativo(a) com um bom computador irá substituir toda esta equipe? Será que a tecnologia irá acabar com a profissão de atores, roteiristas, diretores e demais envolvidos na produção de um longa metragem?
A segunda questão, Alfredo Manevy cita a crise que o cinema brasileiro passou decorrente do desmonte do Ministério da Cultura e da Agência Nacional do Cinema (Ancine) no Governo Bolsonaro. Em 2024, o cinema nacional ressurge com o sucesso de filmes como a comédia “Minha Irmã e Eu”, com mais de 2 milhões de espectadores, da biografia dos “Mamonas Assassinas” e do “Nosso Lar 2”. Destaca que, embora se tenha algo para comemorar, falta ainda uma política de incentivo ao cinema nacional, pois apenas 2,4% da bilheteria das salas é de filmes nacionais. Outra limitação é o acesso, apenas 470 dos 5.570 municípios brasileiros possuem cinemas, uma das menores relações de sala por habitante da América Latina.
O cinema é uma indústria que gera milhares de empregos e o Brasil já mostrou que possui competência para exportar novelas e filmes. Manevy cita o caso da Coréia do Sul que fez investimentos no Studio Cube com tecnologia de ponta e está colhendo os frutos com gravações como a série “Round 6”. Mesmo com a difusão do streaming, as salas de cinema ainda possuem espaço importante na cultura das cidades. Países como EUA, Inglaterra e França utilizam, por exemplo, o uso de financiamento público e/ou a adoção de contas de conteúdo nacional para promover o cinema de seus respectivos países.
Eu acredito que a inteligência artificial irá facilitar a produção de um longa metragem, diminuirá os custos, mas não irá eliminar as profissões dos atores, roteiristas, diretores e demais envolvidos na produção de um longa. A exemplo do que aconteceu com a música, que apesar do Spotify, ainda temos Chico e Caetano lotando show por onde passam, bem como, apesar dos canais de streaming, a Rede Globo e outros canais tradicionais continuam ganhando dinheiro. Ainda haverá espaço para a produção de filmes feitos usando a inteligência artificial e para a produção do cinema “com humanos”. Será exigido sim, mais qualidade e menor custo, mas o talento dos seres humanos na tela e de outros atrás das câmeras permanecerão sendo valorizados por algumas gerações que estarão nas salas dos cinemas. Me pergunto, será que a inteligência artificial será capaz de criar longas de três horas para temas difíceis como Oppenheimer e Assassinos da Lua das Flores, que são sucesso de público e na crítica?
O cinema tem pouco mais de cem anos, já sobreviveu ao impacto do surgimento da TV, ao surgimento da internet, da Netflix, do Youtube e provavelmente sobreviverá ao Sora e seus aliados. Por maior e melhor que seja a tela de uma TV, assistir um filme em casa nunca será o mesmo que estar numa sala de cinema. Segundo me disse um cineasta: “Sentir medo juntos é muito melhor do que sozinho!”
Obs: Agradecimentos às contribuições do cineasta Paulo Nascimento.
Referências:
- Por uma política industrial no cinema – C7 – Folha de São Paulo – 3 de março de 2024.
- Creating video from text
- ChatGPT de VÍDEO agora? O que é esse Sora AI, da OpenAI
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Foto da Capa: Open IA/Reprodução