O clima não só dá as cartas, mas as regras de qualquer jogo. E no tabuleiro na nossa atual existência vamos ter que saber como superar todos os obstáculos que o aumento das temperaturas globais representa. E as casas que temos pela frente, nessa parte do circuito, está determinada uma combinação desafiadora. Uma equação com chaves, colchetes, onde o calor adicionado às chuvas esparsas em focos de resíduos espalhados, com a subtração de agentes públicos e ainda notícias mentirosas contra vacinas favorecem a proliferação de doenças provocadas por vetores.
Em um país cada vez mais tropical como o nosso, um bichinho que veio de longe, mais precisamente da África, encontrou condições ideais para sua proliferação: o Aedes aegypti. Sim, há poucos anos, ele não estava por aqui. Em Porto Alegre, apareceu só em 2002. Pois esse serzinho, para muitos, insignificante, vem driblando várias formas de controle. E fumacê, pulverização por avião ou outras medidas de combate massivo não são indicadas. Ele gosta mesmo é de lugares escondidos. Isso exige uma ação coordenada, ou melhor, muito articulada entre vários segmentos, entre os moradores de uma cidade.
Eles preferem cidades, não matas. Eles adoram entrar nas casas, ficar debaixo de mesas, atrás de cortinas, qualquer cantinho. Amam ficar bem quietinhos e na hora certa – que pode ser a qualquer minuto – eles atacam. E mais: não escolhem se o lugar é rico ou pobre. Eles transitam por toda parte. Pegam elevadores. Entram em portas automáticas de bancos. Entram onde tem ar-condicionado, mas preferem, é claro lugares quentes e úmidos.
Eles representam um risco enorme porque se picam pessoas que estão contaminadas, saem infectando outras que encontrarem em seu caminho. Inclusive aquelas que tem grana para viajar para os destinos mais paradisíacos ou sofisticados. E podem provocar não só dengue – que tem quatro tipos – mais Zika e Chikungunya. Sem saber que estão infectadas – os sintomas demoram de sete a 14 dias, quem andou por aí continua sua rotina. E, sem saber, acaba sendo picado por outros mosquitos. O que gera que mais gente pegue alguma dessas doenças. Aliás, vale lembrar que os turistas são excelentes dispersores de doenças desse tipo.
O pior de todo esse contexto é que para enfrentar esse calorão, cada vez mais longo e frequente, precisamos de instituições públicas fortes, resilientes, com técnicos capacitados para encarar esse trecho do nosso tabuleiro do ano. Esse período é o pior para essas malditas doenças, pois está quente, o pessoal está voltando de férias e as chuvas esparsas acabam deixando em tampinhas, copinhos, poças um tantinho de água limpa parada, lugar ideal para as “mosquitas” colocares seus ovinhos.
E elas são tão resilientes que os ovos podem durar muitos, mas muitos dias sem água. Até vir outra chuva para as larvas se desenvolverem. E atenção: não se preocupem com açudes, áreas naturais com água corrente. O problema está onde há cantinhos onde a água entra e fica limpa, como pneus, pratinhos de vasos de plantas e qualquer resíduo abandonado ao ar livre que possa acumular água. Você já parou para pensar o que a sua prefeitura, o seu governo do Estado está fazendo para lidar com essa situação?
Já se perguntou qual é a relação do número de casos com a capacidade de ação das prefeituras? Quantos técnicos e agentes de endemias têm conseguido se dedicar a essa causa? Quantos estão se aposentando? E os setores que antes tinham experiência, conhecimento, o que estão conseguindo fazer? E o que isso tem a ver com as mudanças climáticas? E o que os governos estão fazendo para conectar e agir com base nos dados de saúde pública e os mecanismos de controle ambiental?
Se você se preocupa com a sua saúde, a do seu vizinho, da sua família, não basta só colocar repelente ou telar a sua casa. Você precisa entrar na corrente da conscientização, comunicar a quem puder e quiser ouvir, é claro, o quanto precisamos nos engajar para superar tudo que essas “mosquitas” picantes representam nesses meses de entrada do ano.
O aumento dos casos no Rio Grande do Sul e outras partes do Brasil são alarmantes. E isso deve ser estudado, compreendido como medidas de adaptação a esse momento do Antropoceno. Vá ensaiando o que deve ser indagado para candidatos e candidatas às próximas eleições sobre a relação da saúde pública com a qualidade do meio ambiente. Se já conseguimos sobreviver à Covid, cuja transmissão era muito pior, que tal não dar arrego pra dengue? Só assim conseguiremos completar a volta do tabuleiro, e, quem sabe, até ganhar a partida.
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Foto da Capa: Agência Brasil