Desde os primórdios, a humanidade buscou respostas no divino. Os mitos, os deuses e os profetas surgem como reflexos de uma mesma sede: a de transcender. As religiões tiveram um papel importante, elas ajudaram a civilizar a humanidade e a dar sentido ao mundo ao longo da história. Influenciaram ciências, arte, filosofia e valores éticos. Mas também causaram conflitos, atrasaram avanços científicos e foram usadas para manipular pessoas.
Este texto não tem por objetivo criticar a essência das religiões, mas mostrar semelhanças curiosas em suas narrativas. Por exemplo, vários deuses e profetas teriam nascido em 25 de dezembro – data ligada ao solstício de inverno no hemisfério norte (quando o Sol “renasce”). Vários nasceram de mães virgens, o que estava associado à pureza divina. Profetas como Zaratustra, Buda e Jesus iniciaram suas missões aos 30 anos (idade vista como da maturidade). Milagres como “multiplicar pães” aparecem em várias tradições (talvez simbolizando o poder do compartilhamento comunitário).
Entre as narrativas anteriores ao nascimento de Jesus Cristo que se assemelham com a sua, destacam-se:
– Shiva (hinduísmo): Divindade eterna, representada pela figura masculina sentado na posição de lótus. Aqui aparece “Trimurti”, a trindade do hinduísmo, que tem Brahma como Pai, Vishnu o filho e Shiva equivalente ao Espírito Santo. Diferentemente da trindade cristã, em que pai-filho-espírito santo são uma única pessoa, na trimurti hindu, são três funções cósmicas: Brahma cria, Vishnu preserva e Shiva transforma.
– Osíris (Egito, ~2400 a.C.): foi assassinado e desmembrado por Seth. Sua esposa juntou os pedaços do seu corpo e ele se tornou o rei do submundo, governando os mortos e decidindo se a pessoa continuaria sua existência no pós-vida ou se a existência findaria.
– Krishna (hinduísmo, ~1400 a.C.): o Senhor Supremo, é uma das principais divindades hindus. O Rei Kamsa tenta matar o bebê para evitar a profecia de que Krishna o destruiria. Krishna veio ao mundo para restaurar o dharma (ordem cósmica). Quando foi atingido por uma flecha, deixou o corpo voluntariamente (passou para um plano superior).
– Zaratustra (Pérsia, ~700 a.C.): Estima-se que tenha sido o primeiro profeta a pregar o monoteísmo, pregava o culto a Ahura Mazda (Senhor Sábio). Ele dividia a vida entre as forças do bem e do mal. Será que foi aí que nasceu a “polarização”? Profetizou o juízo final após a batalha cósmica, com a ressurreição dos mortos e renovação do mundo.
– Mitra (Pérsia, ~700 a.C.): É uma divindade indo-persa que nasceu em 25 de dezembro. Os 12 signos do zodíaco sugerem que tenha tido 12 companheiros. O domingo era dedicado ao Sol Invictus. No Mitraísmo eram realizadas refeições comunitárias. Mithra não morreu, ascendeu ao céu vivo.
– Buda (Índia, ~563 a.C.): Siddartha Gautama foi um profeta que alcançou a iluminação (Nirvana). Ele era um príncipe que aos 30 anos renunciou ao trono e se dedicou à busca da erradicação das causas do sofrimento humano. Foi assediado por Mara (o demônio budista) sob a árvore Bodhi, que tentou dissuadi-lo da sua missão. Ensinou a compaixão, o desapego e o caminho do meio (nada de extremos). Caminhou sobre as águas, multiplicou alimentos e leu mentes. Teve discípulos como Amanda e Sariputta.
É possível que o cristianismo tenha usado elementos de mitos antigos para mostrar que Jesus era o messias, assim como é possível que outras religiões tenham incorporado depois elementos da narrativa cristã. Há relatos históricos de que Jesus realmente existiu, mas não há comprovações dos relatos bíblicos (evangelhos), escritos entre 65 e 100 d.C. Já as histórias mais antigas (como as de Krishna e Osíris) são consideradas mitos. Segundo o historiador Paul Veyne, o Cristianismo foi inovador, não foi cópia de outras religiões e destaca que nenhum outro deus amou a sociedade como Jesus.
No Concílio de Niceia, realizado em 325 d.C, foi feita uma votação e foi derrotada a proposta que defendia que Jesus Cristo não era eterno como Deus, uma vez que foi gerado. Houve, portanto, uma construção histórica do cristianismo que conhecemos hoje. Os textos sagrados não devem ser lidos como relatos literais, mas como narrativas simbólicas. Seu verdadeiro valor reside em conectar as pessoas ao transcendente, independentemente de veracidade histórica. Se todas as religiões compartilham arquétipos universais, por que persiste tanta rivalidade? Ao olharmos para além das diferenças superficiais, descobrimos a essência comum: a fé.
Referências:
- “O livro das religiões”. Jostein Gaarder. Editora Companhia das Letras.
- “O Cristianismo é uma cópia das religiões pagãs?” - Professor Lucas Gesta.
- “Assim Falou Zaratustra – Um livro para todos e para ninguém”. Friedrich Nietzsche. Disponível gratuitamente AQUI.
Todos os textos de Luis Felipe Nascimento estão AQUI.
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