Às vésperas dos 200 anos da Independência do Brasil, o coração de um monarca morto em 1834 está sendo recebido no Brasil com honras de chefe de Estado. O órgão – conservado em formol – do primeiro imperador brasileiro faz o caminho inverso de milhares de brasileiros que deixam o País todos os anos em direção à Portugal.
E foi-se o tempo em que só dentistas ou cuidadores de idosos aportavam por aqui. Os imigrantes fazem parte de todos os grupos sociais.
Neste final de semana, por exemplo, fui a dois aniversários. O primeiro dos filhos de um grande amigo que mora em Lisboa há quase três anos. Entre os convidados, éramos 80% brasileiros: ex-donos de grandes agências de propaganda, diretores de criação, produtores, professores, uma funcionária do Tribunal de Justiça do RS e até uma herdeira da indústria calçadista. Na outra festa, a aniversariante que está há 18 anos em Portugal reuniu dezenas de brasileiros e alguns poucos portugueses.
Nos dois casos, eram pessoas de diferentes idades, ocupações e poder aquisitivo. Alguns ainda trabalham e até geram emprego no Brasil, outros já trabalham por cá e vários (principalmente os das áreas de tecnologia) operam daqui para o resto da Europa. Todos com um desejo comum: viver fora do Brasil para sempre. Todos com planos permanentes.
Às vezes penso que é algo da minha bolha. Como a imigração – por motivos óbvios – faz parte da minha pauta, tendo a vê-la em cada esquina. Mas não é só isso. A cada semana, pelo menos três ou quatro pessoas me procuram para saber como estamos aqui, como foi a mudança, como é o mercado de trabalho e o custo de vida, se existe mesmo xenofobia contra brasileiros.
Para o Brasil, é uma grande perda. Mentes de todas as áreas e gerações estão fazendo as malas.
Por outro lado, quando alguém chora tem quem venda lenço: esse movimento é perfeito para Portugal. O país é o hoje o que envelhece mais rapidamente na Europa, com uma taxa de 100 jovens para cada 182 idosos.
Isso é reflexo dos baixos salários, que aumenta o atrativo de mercados mais estabelecidos para os jovens portugueses bem formados e da queda nas taxas de natalidade. Outro fator definidor deste cenário, foi a política de imigração do início dos anos 2000, focada em aposentados do mundo todo, o que atraiu muitas pessoas acima de 60 anos e cidadãos de países mais ricos da comunidade europeia, como franceses, alemães e ingleses.
Agora, a meta é contornar esse problema e chamar jovens profissionais altamente qualificados. Brasileiros – e também norte-americanos, dinamarqueses, suecos, indianos – dos mercados criativos e de tecnologia estão chegando por aqui às baciadas.
Eles vêm em busca de um dos menores custos de vida da Europa e do clima ameno. Normalmente, trabalham para empresas estrangeiras e, com salários de nível mundial, podem viver muito melhor do que em mercados inflacionados como São Paulo, São Francisco, Berlim ou Londres.
Enquanto o Brasil perde tempo liberando armas, enfraquecendo suas instituições, esperando um novo golpe militar, nossa antiga metrópole rouba nossos melhores profissionais (e nem estou falando de mim) e os seus filhos.