Tempos atrás, ao olhar para um anúncio, eu não percebia as inúmeras mensagens implícitas sobre gênero que nela iam embutidas. Hoje, graças à consciência forjada por meio da convivência com as filhas, leituras e grupos como o de Mulheres Phodásticas, que foi criado a partir de mulheres do Coletivo POA Inquieta, onde refletimos e praticamos a crítica construtiva sobre os nossos cotidianos, isso já não acontece mais. Por causa das inúmeras confusões a respeito, gostaria de esclarecer que gênero está vinculado a construções sociais, não ao sexo biológico. Por exemplo: menina veste rosa, menino veste azul. Homens são chefes da casa, mulheres são mães por natureza.
Essas percepções, aliadas ao trabalho na área da longevidade, me fazem ter um cuidado ainda maior quando percebo a forma como é tratada a beleza. Pois, no caso da mulher, quando ela envelhece, sobre ela se sobrepõe uma segunda camada de dificuldade e desafio, além de todo o grau de dificuldade com que teve que lidar ao longo da vida por causa do gênero, que a limitou, incapacitou, desqualificou e prejudicou, inclusive financeiramente. Agora, ela precisará lidar com o preconceito da velhice, que irá lhe sobrecarregar, caracterizando-a como não desejável, feia, improdutiva, sofrida e frígida, pois também sem direito a ter desejo.
No caso masculino, quando se trata da beleza no envelhecimento, sem dúvida o preconceito é infinitamente menor. Pois, para eles a definição dos corpos não é tão exigida; uma barriguinha e uma careca são aceitas sem problemas, sendo consideradas sinais de prosperidade, por exemplo. Porém, mesmo para eles, há uma pressão crescente que já atinge a nós, mulheres, há muito tempo: a pressão pela juventude. Por incrível que pareça, mesmo velhos, nossa sociedade não permite que a gente envelheça. Aliás, até podemos envelhecer, desde que pareçamos jovens. Juventude deixou de ser uma fase da vida e passou a ser um valor.
Sim, o curso da vida é composto pela infância, adolescência, juventude, adultez e, finalmente, se tudo der certo, chegaremos à velhice. E graças aos grandes avanços da humanidade, ganhamos uma expectativa de vida onde a velhice se tornou o maior período da nossa vida! Porém, todavia, contudo… a gente ainda não se apropriou do poder da velhice! Por quê? Entre tantos motivos, penso que um deles é porque a gente tem medo de chegar na velhice! A gente se “desvaloriza” quando envelhece. Pois o belo é a Juventude, que se tornou um produto na sociedade. E, por isso, envelhecer é ruim, feio, e ser jovem é… ser jovem! Em si mesmo já é um elogio e desejável. “Forever Young”, certo? E aí ninguém quer sair da juventude, como se isso fosse possível e não uma fantasia infantil. E sabe qual é a ironia disso? Quanto mais a gente foge da velhice, mais rápido a gente chega nela. Quer um exemplo disso? Moças recém-saídas da adolescência que fazem peelings, com medo das finas linhas de expressão que ainda nem chegaram.
De que maneira as marcas podem ajudar nesse processo?
É real que a comunicação das marcas vem progredindo no diálogo com seus públicos quando se trata de diversidade de corpos e no combate ao preconceito etário. Hoje se percebe muitas marcas com campanhas, ações e patrocínios de eventos especialmente voltados para mulheres com diversos tipos de corpos e também modelos seniores para eles. Nessa conversa, a maior parte das marcas se dirige para suas consumidoras falando em autocuidado, bem-estar, autoaceitação, empoderamento e satisfação consigo mesma.
Mas minha opinião é de que a contribuição das marcas pode ser maior, ampliando e alinhando essa conversa, quebrando paradigmas, fazendo mulheres e homens perceberem que velhice é normal, marcas e diferenças nos corpos são parte da vida e que rugas são bonitas em vez de precisarem ser preenchidas, reduzidas ou apagadas. Porém, o que ainda vejo são as mesmas marcas que promovem diversidade de corpos, empoderamento, autocuidado e autoestima em sua publicidade, também mantém nas prateleiras produtos “antianging”, “redutores de rugas”, “preenchedores de marcas”, “anti-idade”, “antissinais”, e que, na grande maioria das vezes, não vão além do número 44 em suas araras. O discurso ainda precisa fazer um exercício de harmonia com a prática.
O que eu sinto que tudo isso nos diz? Uma andorinha sozinha não faz verão, mas é de pouquinho que se chega lá. Individualmente, precisamos aprender a lidar com a dificuldade de aceitação do nosso envelhecimento, ressignificando essa fase ela tem potencial de ser a melhor da nossa vida. Coletivamente, é necessário refletir sobre como lidamos com a juventude e como queremos continuar lidando com ela, ou o que ela realmente é, uma fase da vida ou uma fantasia? Institucionalmente, acredito que as marcas podem e precisam se engajar nesse processo, hoje elas ganham (bastante) promovendo (ou escondendo) nossos medos, inseguranças, aspirações, expectativas. Isso vale a pena para elas e para seus consumidores?
Nossa população está envelhecida e envelhecendo. Conforme o PNAD divulgado este ano pelo IBGE, o Brasil já tem sua população com uma maioria acima dos 30 anos, e a parcela de brasileiros com mais de 60 anos cresce 3% ao ano – mais que qualquer outro grupo geracional. Vamos encarar esse desafio de frente ou escamoteá-lo?
*Karen Garcia de Farias é articuladora do POA Inquieta, graduada em Comunicação Social.