Política, aqui, usarei num conceito amplo, porque tudo na vida é política. Nela, há campos de interesse e de interação de toda ordem. Dentro do mundo político, há o do esporte, da arte, da religião, da economia, da biologia, da justiça, da comunicação, da saúde, da linguagem, de tudo. Por isso não se deve dizer que não se gosta dela; é quase como negar a vida. Sei que existe grande descrença com a política na atualidade, especialmente com a institucional, aquela que se refere à representação do poder e do Estado. Contudo, política não envolve apenas o âmbito institucional. Há o sentido em que envolve a todos nós. Por isso, abordo-a extrapolando a dimensão institucional. O racismo, e a desigualdade por ele criada, diz respeito a diversas esferas da política e por ela deve ser enfrentado.
Breve pesquisa em redes sociais demonstra que o Rio Grande do Sul, e seu povo, é hoje identificado como um dos estados mais racistas do país, e já se foi o tempo em que era reconhecido como o mais politizado (talvez, de fato, nunca tenha sido). E mesmo que isso possa ser injusto para muitos – porque ideias generalizantes tendem a ser – não se pode deixar de considerar tal senso comum. Ocorre que, para quem faz essa generalização, não parece ser casualidade que exatamente nesta região do Brasil tenham sido descobertas práticas dessa atividade de terror que é escravidão, vitimando mais de 200 pessoas, em pleno século XXI, num dos principais centros industriais e turísticos do país.
Mas como de tudo de errado devemos tirar lições, abre-se para os gaúchos e às vitivinícolas uma oportunidade – que diante das suas necessidades de recuperação da educação pública e da cultura, e, especialmente, desse fato inescrupuloso – não pode ser desprezada. Também, o reconhecimento do governo do Estado sobre o grave déficit educacional público e a assunção em nível federal de um governo progressista, pode facilitar a aquisição de instrumentos necessários para que uma virada revolucionária se dê nessa parte sombria da história dos gaúchos, a partir de maciços investimentos em educação e cultura. Assim como a Alemanha, que no pós-segunda guerra, logrou êxito em construir, por meio de uma revolução democrática e humanitária na educação e na cultura, uma nova sociedade com ojeriza ao nazismo e instauradora de uma realidade social justa.
Mudança similar em determinados campos da sociedade gaúcha só pode se dar pela cultura e pela educação, para que uma nova geração surja sensibilizada, consciente e ativa, a respeito dos males que a discriminação racial e social que vivemos há 500 anos causa. Debelar as causas do racismo e dos sentimentos discriminatórios e autoritários que ainda existem, aqui e acolá, é fundamental, porque isso está nas bases do gigantesco abismo social e econômico que existe no Brasil – causa maior da fome, violência, e abusos de toda a ordem, sempre contra os mais fracos.
Sugiro que o Rio Grande do Sul aprove na Assembleia Legislativa a criação do feriado para o dia da consciência negra. Também deve, sugiro, repensar seriamente a letra do seu hino, para que seja, de fato, modelo à toda terra; ora, ninguém é escravo porque quer. Como atitude, pode até parecer pouco, mas é muito simbólico, e de símbolos discriminatórios ou que proclamam uma falsa superioridade estamos cheios. As empresas, por sua vez, devem implementar, efetivamente, programas de integridade e de rastreio da sua produção, porque, por mais que saibamos dos valores inestimáveis de trabalho e empreendedorismo dos gaúchos, agora será necessário remediar, verdadeiramente, esse fato gravíssimo.
É pela política – inclusive a institucional, com a sua capacidade inigualável de transformação social – que os gaúchos devem avançar nas entranhas dessa diabólica cultura que permitiu que mais de 200 homens fossem escravizados mediante tortura, jornadas de 15h, e chantagem econômica, numa das regiões economicamente mais desenvolvidas do país, e eliminá-la. Só assim, mais uma vez, e talvez a primeira como verdade, é que o gaúcho poderá se dizer, ainda que muito pretensiosamente, um povo politizado e exemplar.
*Rodrigo Westphalen Leusin é advogado no Rio Grande do Sul.