Passados 11 anos do nascimento da Lina, minha única filha, não tenho receio de dizer que a maternidade é o que me define. Porém, durante algum tempo – que por algum tempo me pareceu tempo demais – achei que ser mãe não fosse uma experiência que eu teria nesta existência. Não seria a primeira experiência com a qual eu sonhara desde a infância/adolescência e pela qual acabaria não passando. Nunca viajei mochilando quando jovem, nunca fiz um curso de especialização de jornalismo na Universidade de Columbia e nunca mostrei uma reportagem assinada por mim ao meu pai, que tanto sonhou em me ver jornalista.
Quando decidimos que faríamos apenas mais uma tentativa de engravidar, depois de uma inseminação artificial e duas fertilizações in vitro fracassadas, eu estava com 37 anos. Já não tinha mais as fantasias necessárias para topar uma viagem de mochila nas costas (talvez nunca tenha tido), minha carreira havia seguido um rumo que tornava um curso de jornalismo no exterior (ou em qualquer lugar) algo tão útil (ou prazeroso) para mim como a aquisição de uma britadeira (só para dar um exemplo bem descabido), e meu pai havia morrido muito antes de eu publicar qualquer matéria assinada.
Então, fizemos o acordo de que, caso tudo desse errado mais uma vez naquela tentativa de gerar um filho nosso, seguiríamos nossas vidas como um casal sem filhos. E essa decisão só se tornou possível por conta da resposta que demos a nós mesmos quando nos questionamos sobre por que queríamos procriar. Queríamos um filho para compartilhar o que havíamos construído, aprendido, acumulado. Um filho com quem dividir as nossas experiências e as coisas boas da nossa vida em comum. Ou seja: não precisávamos de um filho para nos completar, mas estávamos abertos para dividir nossa vida. Se ele não viesse, paciência, seguiríamos vivendo da melhor maneira.
Eu ainda não sabia, mas foi no momento em que tomei essa decisão que nasceu a mãe que sou hoje. Não sou a melhor mãe do mundo, e estou certamente longe de ser a mãe que, lá atrás, eu imaginava que seria, mas certamente a mãe que sou é muito melhor do que a pessoa que eu vinha sendo até minha filha nascer. Isso não quer dizer necessariamente que eu seja uma pessoa melhor, mas não posso esconder de ninguém que a mãe que eu seria se não tivesse sido transformada – pelos tratamentos para engravidar? pela gravidez? pelos hormônios? pelo parto? pela amamentação? pela primeira vez em que peguei minha filha no colo? – era muito mais neurótica, ansiosa e sofrida do que a mãe que sou. E quem me conhece há muito tempo percebe isso em mim.
É preciso parar de dizer que o único amor verdadeiro é o que sentimos pelos filhos
Nos quase oito anos em que ficamos tentando engravidar, alguns comentários insensíveis (muitos involutários) de estranhos ou mesmo amigos me incomodaram demais. Um dos maiores era (e continua sendo): “Só conhecemos o amor verdadeiro depois que temos um filho”. Isso não é verdade!
Toda vez que alguém começa uma frase com “quando temos um filho…”, eu tendo a me esconder em um buraco de abstração interna para evitar de escutar o complemento que está a caminho. Sabe por quê? Porque se tem uma coisa que eu desconfiava, mas que depois da gravidez e da maternidade se tornou verdade absoluta, é que ter um filho transforma as pessoas da forma como elas querem ser transformadas. Claro que ter um filho é gigantesco, mas não é uma experiência que possa ser encaixotada e classificada — muito menos generalizada.
E a transformação (ou não-transformação) por que cada um passa nessa história tem a ver com o tipo de transformação para o qual cada um está aberto. Assim como ter um filho nos modifica, também nos modifica ter e perder um animal de estimação, perder o pai ou a mãe, conhecer uma pessoa que se parece tanto com a gente que nos assusta, conseguir ou perder um emprego maravilhoso (ou péssimo), tomar um banho de chuva num dia qualquer.
Cada um entra nessa viagem por motivos diferentes. Tanta gente embarca por acidente (embora eu ainda me espante com “gravidezes acidentais” em pleno século 21, ainda mais com gente acima de uma certa idade). Tem ainda os que o fazem para eliminar mais um item da lista – casar, comprar carro e casa, ter filhos, viajar para o exterior, ver um show do U2, fazer uma lipo ou o que quer que a criatura tenha decidido que era fundamental para sua realidade.
Já falei sobre isso em uma coluna anterior e seguirei batendo nesta tecla: ter um filho é uma experiência pessoal, singular e intransferível. E não é obrigatória para que se tenha uma existência plena, gratificante, encantadora. Aliás, para muitos, procriar representa um fardo, algo muito mais frustrante do que recompensador. E, cá entre nós, a propagação do discurso mítico do amor inesgotável, profundo e absoluto só faz aumentar a carga dos que cumprem a missão de criar um novo ser humano sem sentir essa plenitude ou a tristeza e a sensação de inadequação dos que não conseguem ou não podem ou não querem ser pais.
Fica aqui, então, a minha sugestão. Da próxima vez que pensar em escrever ou dizer “quando temos um filho…”, pense que talvez seja melhor começar com “quando eu tive filho…”. Porque só eu sou a mãe da minha filha, e só ela é a minha filha. E tudo o que acontece entre nós é único e não pode ser regra para mais ninguém.
Foto da Capa: August de Richelieu / Pexels