Há exatos sete dias, Lula tomou posse pela terceira vez como Presidente da República. Pois no raiar do sétimo dia, uma multidão bolsonarista deixou seu acampamento em frente ao QG do Exército rumo à Praça dos Três Poderes. E lá, protagonizaram cenas que nunca foram vistas na história da República brasileira: invasões, destruições, agressões físicas. E tudo para pedir uma intervenção militar que impeça o Governo Lula de … governar.
Os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro invadiram os prédios do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal no domingo (8) em Brasília. Os golpistas depredaram vidros e tomaram as dependências internas dos prédios que representam os Três Poderes da República. Um grupo de milhares de bolsonaristas que não aceitam o resultado da eleição de 2022 e o início do governo de Luiz Inácio Lula da Silva avançou pela Esplanada dos Ministérios por volta de 15h, num protesto pedindo golpe de Estado. Um pequeno contingente de policiais tentou impedir o grupo com spray de pimenta. Mas a barreira foi facilmente rompida e a Praça dos Três Poderes, tomada.
A responsabilidade pela segurança da área é do governo do Distrito Federal, comandado por Ibaneis Rocha (MDB). O secretário de Segurança Pública era Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro. Torres está nos EUA. Alguns supõem que tenha se encontrado com o ex-chefe na Flórida. Ele saiu de férias apenas sete dias após ter assumido o cargo, egresso do Ministério da Justiça. Após a invasão, Ibaneis anunciou a demissão do seu secretário. Governadores ofereceram ajuda ao Distrito Federal, com envio de PMs. No início da madrugada de segunda-feira (9), o ministro do Supremo Alexandre de Moraes determinou o afastamento de Ibaneis do cargo por 90 dias. O Rio Grande do Sul, através do Governador Eduardo Leite (PSDB) disponibilizou 95 homens da tropa de choque da Brigada Militar.
As imagens do episódio mostram um efetivo reduzido, em Brasília, no local neste domingo (8). Uma singela barreira de policiais jogando gás de pimenta nos manifestantes foi praticamente atropelada pela turba. Há cenas de policiais tirando fotos e posando ao lado de golpistas. O prédio do Supremo foi o retomado pelas forças de segurança pouco antes das 17h. Meia hora depois, a polícia retomou o Palácio do Planalto, usando bombas de efeito moral contra os invasores. Por volta de 18h30, o prédio do Congresso também foi retomado. No início da noite, a Polícia Civil afirmou que cerca 300 golpistas haviam sido presos em flagrante. A conta final foi de 1.500 detidos.
Pouco antes das 18h, Lula, que estava em Araraquara, no interior paulista, convocou a imprensa para anunciar a decretação de intervenção federal na segurança pública do Distrito Federal até 31 de janeiro. O presidente indicou Ricardo Garcia Cappelli, secretário-executivo do Ministério da Justiça, como interventor. Ele responderá diretamente a Lula. Na madrugada desta segunda-feira, o Ministro Alexandre de Moraes, do STF, estendeu a interdição, por 90 dias, do Governador Ibaneis.
“Todas as pessoas serão encontradas e punidas”, disse o presidente, que se referiu tanto aos golpistas como fascistas. Lula também disse que vai buscar identificar quem financiou os bolsonaristas. O presidente apontou negligência da polícia do Distrito Federal, destacando o fato de PMs terem escoltado os golpistas pelas ruas de Brasília antes da invasão dos prédios dos Três Poderes. A AGU (Advocacia-Geral da União) pediu ao Supremo a prisão de Anderson Torres.
Ainda em seu pronunciamento, Lula afirmou que vai apurar também se houve omissão no governo federal. E disse que Bolsonaro estimulou a invasão ao atacar de forma recorrente as instituições durante seu mandato. Obras de arte dentro dos prédios foram vandalizadas. Um quadro de Di Cavalcanti foi rasgado a facadas. Bolsonaro está nos EUA desde o fim de dezembro. Ele viajou para a Flórida a fim de não passar a faixa para Lula, seu sucessor. Segundo o canal Globo News, o ex-presidente se reuniu com Anderson Torres nos últimos dias. O agora ex-secretário de Segurança Pública do Distrito Federal nega, e diz que está de férias nos Estados Unidos.
Bolsonaro falou sobre a destruição causada por seus apoiadores às 21h da noite de domingo (8), quando os prédios já haviam sido esvaziados. Ele escreveu no Twitter que “manifestações pacíficas, na forma da lei, fazem parte da democracia”, e disse que depredações e invasões “fogem à regra”. Ele refutou qualquer culpa pelas ações extremistas. Bolsonaristas, por sua vez, fazem há dias convocações para atos na Esplanada dos Ministérios. O ministro da Justiça, Flávio Dino, chegou a autorizar o uso da Força Nacional, em Brasília, para auxiliar outras forças de segurança locais diante de ameaças contra a democracia.
O grupo veio do entorno do Quartel-General do Exército na capital federal, onde bolsonaristas radicalizados acampam desde o segundo turno das eleições. No fim de semana de 7 de janeiro, após a primeira semana do novo governo, cerca de 100 ônibus chegaram à capital federal, levando cerca de 4.000 pessoas. Circularam mensagens em grupos de conversa chamando bolsonaristas para Brasília, a fim de manter viva a mobilização golpista, prestes a ser esvaziar. Na caminhada de uma hora e meia do acampamento à Praça dos Três Poderes, o grupo teve a baliza dos soldados da Polícia Militar do DF, protegendo-os.
Na sexta-feira (6) que marcou dois anos da invasão do Congresso americano por apoiadores do ex-presidente Donald Trump, a comparação com o recente episódio no Brasil é inevitável. Trump não aceitava a derrota para Joe Biden, nos EUA. O ataque foi feito enquanto parlamentares confirmavam a eleição do democrata, eleito em 2020, e cinco pessoas morreram. Dois anos depois, 900 pessoas foram presas e mais de 190, condenadas pela Justiça. O Congresso brasileiro está vazio, de recesso até fevereiro.
Na manhã de segunda-feira, uma ofensiva das forças de segurança na manhã de hoje desmontou o acampamento de bolsonaristas em frente ao Quartel-General do Exército em Brasília. Pelo menos 40 ônibus lotados deixaram o local após a operação com destino à Superintendência da Polícia Federal. O número de detidos pelos ataques de ontem na capital federal chega a 1,5 mil.
Os atos antidemocráticos começaram a ser planejados no dia 3 de janeiro, quando bolsonaristas passaram a divulgar mensagens por meio de aplicativos, organizando caravanas saindo de todo o país para Brasília. Os apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro convocavam os extremistas, falavam em enfrentamento às forças policiais e prometiam “tudo pago”. No RS, autoridades estaduais investigam a saída de ônibus do Estado para participação nos atos.
Lula In Loco
O presidente Lula prometeu na noite de domingo, quando visitou as três sedes de poderes atingidas pelos golpistas, que todos os manifestantes que invadiram e vandalizaram as sedes dos poderes serão encontrados e punidos. O petista disse que eles são verdadeiros vândalos e anunciou a intervenção federal na área de segurança do Distrito Federal até o fim de janeiro. Lula disse que os manifestantes poderiam ser chamados de nazistas e fascistas e disse que a esquerda nunca protagonizou um episódio similar a este no Brasil.
“Eles vão perceber que a democracia garante direito de liberdade, livre expressão, mas ela também exige que as pessoas respeitem as instituições que foram criadas para fortalecer a democracia”. O presidente culpou seu antecessor, Jair Bolsonaro (PL), e disse que ele também é responsável pelos atos de vandalismo que se espalharam por Brasília. O presidente visitou os palácios vandalizados e lembrou os atos de vandalismo na área central de Brasília no fim de dezembro e criticou as forças de segurança da capital.
“A Polícia Militar estava guiando e vendo eles tocar fogo em ônibus e não fazia absolutamente nada. Esses policiais não poderão ficar impunes “, disse.
Lula disse que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) sempre estimulou a invasão às sedes do STF e do Congresso e só não incentivava que entrassem à força no Palácio do Planalto porque estava lá dentro. “Isso também é da responsabilidade dele, dos partidos que sustentam ele e tudo isso vai ser apurado com muita força e muita rapidez”, afirmou.
Os bolsões sinceros estão de volta
No tempo do presidente Geisel, quando ele falava em abertura política, advertia, sempre, que havia bolsões sinceros e radicais à possibilidade. Pois agora, um General do Exército acaba de abrir uma trincheira à resistência bolsonarista. Marco Aurélio Vieira, ex-secretário especial de Esportes do Governo Bolsonaro, publicou um artigo intitulado “A Nossa Guerra Fria”. O General Vieira alardeia uma suposta “intenção de estabelecer o comunismo e suas práticas no Brasil” e aponta para a necessidade de mudança de estratégia das “hostes democráticas brasileiras”, que estariam hoje exauridas “e sem a possibilidade de reação em força”. E disse mais: “Uma intervenção militar foi descartada pelos detentores da violência institucional do Estado por motivos que a história um dia vai elucidar”. Parece referir-se ao fracasso do projeto golpista que rondou as eleições e o final do governo Bolsonaro.
Na segunda-feira, circula uma versão de que a violência seria produto de esquerdistas infiltrados entre os manifestantes. Um bolsonarista escreveu que a violência foi causada por “policiais ligados ao PT, quebrando o Congresso para colocar culpa nos bolsonaristas”. A versão fantasiosa já foi disseminada em episódios anteriores de quebra-quebra. Outro bolsonarista respondeu que “somente um milagre para provarmos que não foram os patriotas os responsáveis pelos ataques”. Apesar da indignação com o que veem como repressão das autoridades, o tom dos manifestantes é de autocongratulação com a invasão dos prédios que sediam os Três Poderes. Eles se tratam como patriotas e heróis da Pátria.