Ao entardecer da próxima sexta-feira (15/09), tem início o ano 5.784 do calendário judaico. Esse número, assim como a festa de Rosh Hashaná, fazem referência à Criação do Mundo. A data marca o aniversário do universo, o dia em que D’us criou Adão e Eva.
Segundo o Talmud, após criar o Homem, Deus levou Adão para um passeio pelas árvores do Jardim do Éden e disse: observa minha criação, como é bela e agradável. E tudo que criei, foi para ti. Toma cuidado para não causar dano ou destruir meu mundo pois se o fizer, não haverá ninguém para consertar.
Sendo o calendário judaico regido pelas estações do ano, a relação do Homem com o ambiente que o cerca é um tema essencial. A visão judaica sobre o tema é bastante rica e não se resume a considerar o Homem como o Mestre do Universo e que todas as demais criaturas estão aqui para servi-lo, como muitas vezes ouço por aí.
A visão judaica de mundo não é antropocêntrica, o Homem chegou por último, mas faz parte de uma ordem cósmica onde tem tanto valor quanto as demais espécies que o cercam. A Criação existe por si só, tem valor em si mesma, assim como as criaturas que compartilham conosco esse planeta.
Ao criar a Humanidade, o mandamento divino a ela é o de “trabalhar e guardar” a Criação. Assim, somos continuadores da obra divina com a responsabilidade de zelar por ela. Para a tradição judaica, nós, humanos, sequer somos donos de nada, estamos aqui de passagem e guardando o mundo para as próximas gerações.
O trabalho, como diz o Rabino Bunam, é contínuo e incessante, “pois o Universo está sempre num estado incompleto” e se “houvesse um segundo de pausa nesse esforço e o Universo voltaria ao caos original”.
A fala do rabino traz um senso de urgência, que é reforçado pelo toque do shofar, marca dessa festividade. O shofar é uma espécie de trombeta, usualmente feita de chifre de carneiro e que tem um som muito alto e forte, sob medida para nos despertar da letargia e nos impelir à ação.
Essa tarefa tem um caráter intergeracional, pois temos que cuidar desse planeta para a próxima geração e, também, de interdependência. Se a vida humana e o indivíduo são sagrados, é no coletivo que realizamos as ações que garantem nosso futuro.
O estudo judaico é repleto de histórias e, em relato atribuído a Rabi Shimon Bar Yochai, a quem é atribuída a autoria do Zohar, o grande livro da tradição mística judaica (Cabala), a ideia de responsabilidade coletiva pelo planeta também aparece:
“Certa vez, vários homens se puseram ao mar. Num momento de lazer e leviandade, um dos passageiros começou a fazer um buraco no fundo do barco, no lugar em que estava sentado.
‘O que você está fazendo?’ – gritou um dos seus companheiros de viagem, alarmado.
‘O que te interessa saber o que eu estou fazendo?’ – respondeu o homem. ‘Não estou fazendo um buraco onde você está sentado, e sim sob o meu assento!’
‘Pode ser sob seu lugar’, responderam os outros, ‘mas a água encherá o bote, que afundará. E todos nós nos afogaremos!’ ”.
Quando um novo ciclo se inicia, não é demais lembrar que estamos todos no mesmo barco. Nas negociações sobre mudanças climáticas ou conservação da biodiversidade, um país joga para o outro a responsabilidade por tomar as medidas necessárias para a continuidade da vida do planeta. Em um mundo tão individualista como o que vivemos, muitas pessoas brigam pelo direito de furar embaixo de seu lugar, ignorando os demais.
Rosh Hashaná traz um sentido de urgência que nos lembra que a hora de agir é sempre agora e, se não formos nós a consertar o planeta, ninguém fará isso por nós. Como dizia o grande Rabino Hilel:
“Se eu não for por mim, quem será?
Mas se eu for só por mim, quem serei eu?
Se não agora, quando?”
Shaná Tová umetuká: um ano bom e doce para todos nós.
Foto da Capa: Chabad.org/
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