Nos últimos anos, tenho visto uma enormidade de profissionais aderirem ao trabalho remoto ou, no mínimo, ao “officielles”. Há quem tenha se mudado de cidade, procurando por um ambiente mais parecido com seu estilo de vida, e quem tenha continuado perto do escritório, mas indo cada vez menos para a sede da empresa, preferindo trabalhar de casa ou outro lugar qualquer.
Tem o gerente de tecnologia que trocou os engarrafamentos da Paulista por horas de surf em Santa Catarina. A executiva de contas que se mudou para o Rio para curtir o samba depois do trabalho. Eu, que mudei para o outro lado do Atlântico, para trabalhar de longe, mas também para permitir que meus filhos saiam de casa sem que eu fique com o coração na mão. Todos nós trabalhamos as mesmas horas (se não mais) e entregamos tão bem ou até melhor do que antes.
Mas, desde o final de 2022, tenho visto crescer a pressão pela volta das rotinas presenciais nos escritórios (como disse em uma coluna anterior). E, se eu tinha alguma dúvida sobre isso, na última sexta-feira, tive uma evidência concreta de que esta percepção estava correta.
Depois de uma semana complexa, por conta das fortes e tradicionais chuvas de março, São Paulo parou totalmente. As imagens que via na TV mostravam uma metrópole embaixo d’água.
Em várias calls durante o dia, – para surpresa de zero pessoas – clientes e fornecedores entravam nas salas virtuais a partir de suas salas físicas no Itaim, na Vila Olímpia, na Paulista ou onde quer que fosse sua base. Não estavam em suas casas e a maioria perdeu pelo menos três horas para voltar no final do dia, sem falar nos riscos óbvios de se transitar em uma cidade alagada.
Mas por que tanta gente saiu de casa se já havia previsão de fortes chuvas como as que ocorreram na quarta-feira anterior, quando a cidade registrou 1.200 km de congestionamento e atingiu padrões dos tempos pré-pandêmicos? Se milhões de pessoas estruturam suas casas para o trabalho remoto, não seria interessante fazer home office pelo menos em dia de desastre natural anunciado?
Na Europa e na América do Norte, em dias de previsão de chuvas fortes, nevascas etc, as pessoas são orientadas a só sair em caso de emergência. Todos cancelam seus compromissos, não levam as crianças para a escola e ficam olhando pela janela esperando o sol sair.
Para mim, a única explicação possível é que estamos a sofrer de uma Síndrome de Estocolmo coletiva. Diante da exigência de uma empresa focada no modo de produção comando-controle, em que o chefe precisa acompanhar seus subordinados minuto a minuto, ninguém se rebela e ainda louva as maravilhas de sair de casa todos os dias para encontrar os amigos do trabalho.
O fato de estarmos vivendo um tsunami de demissões nas empresas de tecnologia – e que acaba sendo desculpa para que as tradicionais aproveitam para “oxigenar” a folha de pagamento – também ajuda. Afinal, quem está em casa pode ser a próxima vítima do passaralho, sem ter como se defender.
Talvez já tenhamos todas as ferramentas para adotarmos a cultura do trabalho remoto. Só não temos mesmo maturidade para entender que um colaborador é muito mais do que alguém habilitado para esquentar a cadeira no escritório.
O tempo presente exige que pensemos nos nossos negócios para que sejam remotos. É questão de cultura sim, mas também uma necessidade.