Hoje em dia, há um número imenso de pessoas no Brasil com acesso a um celular com câmera fotográfica, a computadores que filmam conversas e até mesmo a bons equipamentos fotográficos, que, embora não sejam exatamente baratos, são bem mais acessíveis do que eram no século passado. Assim, é uma delícia sair pelas cidades, praias, parques, exposições, restaurantes, e vários outros ambientes, filmando ou tirando fotos da paisagem, dos locais, e até mesmo de quem estiver por perto, seja como personagem principal ou como figurante na sua foto linda que, em tese, estaria perfeita para ser publicada em uma rede social.
Naturalmente, você não precisará pedir a autorização de todos os que aparecem nas cenas retratadas. O que não se pode fazer, sem prévia autorização, é invadir a privacidade de uma pessoa, ainda que ela esteja em um lugar público, e fotografá-la especificamente. Não precisa ser um gênio para perceber que uma coisa é fotografar uma rua com pessoas passando, com carros tripulados circulando, um restaurante com pessoas no fundo, outra coisa é fotografar uma pessoa quando ela está em uma rua, uma pessoa que está almoçando em um restaurante, ou alguém que está dentro de um carro. Respeito e bom senso nunca são demais e uma invasão de privacidade gera consequências. Da mesma forma, tudo o que ferir a moral da pessoa retratada ou filmada lhe for vexatório, desabonatório, ou antiético, poderá causar sérios problemas ao fotógrafo ou a quem estiver filmando ou publicando a imagem, tanto na esfera civil (indenizações), quanto penal, assim pense bem antes de bancar o “paparazzi” ou o fofoqueiro que coloca a imagem na “internet”.
Não podemos esquecer que a imagem do fotografado é um atributo da sua personalidade, e que pode inclusive revelar muito sobre a sua vida, sua condição social, suas relações profissionais, familiares, amorosas, sua orientação sexual, seus hábitos, vícios etc. As fotos ou filmagens são também um “retrato moral” do indivíduo e dependem de sua prévia autorização para a exposição ou utilização comercial das mesmas, ainda que nada tenham de ofensivo ao retratado. A sua mera utilização comercial, sem prévia autorização já é suficiente para gerar o dano moral. Pior ainda, se a imagem estiver fora do contexto em que foi registrada, pois pode dar uma conotação completamente distinta daquela que retrataria na realidade o fotografado. Como exemplo, imaginem alguém que no carnaval se fantasia, faz a maior cara de bebum para entrar no personagem, mas que na realidade é um pacato e comedido funcionário de alguma instituição, a espera de uma promoção, e tem a sua foto exposta, em uma galeria de arte, sem qualquer autorização, em uma exposição cujo tema é o sofrimento das pessoas que sofrem com o uso de drogas.
Todavia, algumas dessas imagens são tão bonitas, criativas e artísticas que o fotógrafo ou o cineasta amador ficam com vontade de fazer, por exemplo, uma exposição, um catálogo, um livro ou pôsteres para a venda, dando assim as suas obras uma utilização comercial, que precisará ser previamente autorizada pelo titular da imagem, sob pena de sérias consequências jurídicas.
Assim, muito cuidado. No Brasil, a utilização da imagem das pessoas que, saliente-se, já tinha um forte regramento constitucional, civil e inclusive penal, com a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ficou ainda mais severa e a tendência é haver um aumento de pedidos de indenizações pelo uso indevido de imagem, pelos prejuízos causados às vítimas e, inclusive, por danos morais, sem falar na responsabilização penal.
O direito de imagem é um Direito Fundamental previsto constitucionalmente, isto é, um dos direitos que garantem o mínimo necessário para que as pessoas vivam de forma digna, e a Constituição Federal (CF) determina que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Outrossim, de acordo com o Código Civil (CC), a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa podem ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que lhe couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se destinarem a fins comerciais, exceto se a exposição ou a utilização da imagem tiverem sido autorizadas ou se forem necessárias para a administração da justiça ou para a manutenção a ordem pública.
Importante salientar que a lei que disciplina os direitos autorais estabelece como um dos direitos morais do autor, a possibilidade de retirar de circulação a obra ou de suspender qualquer forma de utilização já autorizada, quando a circulação ou utilização implicarem afronta à sua reputação e imagem.
A LGPD também reforçou a importância do respeito ao direito de imagem, ao estabelecer que a proteção de dados pessoais tem como fundamentos a inviolabilidade da imagem e, ao estabelecer que se o controlador ou operador, em razão do tratamento de dados, causarem dano patrimonial, moral, individual ou coletivo, em razão da violação à legislação de proteção de dados pessoais, eles serão obrigados a reparar tais danos, ou seja, a indenizar o titular dos dados, no caso em tela, o titular ou titulares do direito de imagem.
Sob a ótica penal, em caso de oferecimento, troca, disponibilização, transmissão, venda ou exposição à venda, distribuição, publicação ou divulgação, por qualquer meio, inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática, de fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia, a pena será de reclusão de 1 (um) a 5 (cinco) anos se o fato não constituir crime mais grave. Quem não se lembra de brigas judiciais e das matérias na imprensa em razão de vídeos de famosos ou famosas que foram expostos sem as respectivas autorizações no Brasil?
Essa pena acima será aumenta de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.
Embora o direito de imagem seja irrenunciável, inalienável e intransmissível, como ele é disponível, mesmo que ele não possa ser vendido, ele pode ser licenciado por seu titular a terceiros. Há doutrinadores que utilizam a expressão cessão de imagem, mas é mais adequado falar-se em licença ou autorização de uso de imagem.
A este passo vale destacar que o direito a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa, com fins econômicos ou comerciais, independe de prova ou prejuízo, conforme disposto na Súmula 403 do Superior Tribunal de Justiça.
Obviamente, o direito de imagem encontra algumas limitações, reconhecidas pela doutrina e jurisprudência brasileira. Uma delas é o “ônus da suportabilidade” da publicação de imagens, sem as respectivas autorizações, que recai, com mais frequência, sobre os famosos, por exemplo, artistas, políticos, empresários. Dificilmente a imprensa deixa qualquer “escorregada” de um famoso esquecida. Desgraça alheia vende. Que fique claro não pode haver excessos, é inaceitável uma publicação de uma imagem com a finalidade de denegrir ou ofender uma pessoa.
Outrossim o direito de imagem esbarra no direito à informação que também é um Direito Fundamental previsto na CF, que estabelece que todos têm direito de receber de órgão públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. É em razão desse direito fundamental que é possível haver o uso não autorizado de imagem em matérias jornalísticas, e esse conflito entre direitos fundamentais deverá ser dirimido com a aplicação do princípio da proporcionalidade, e do uso do bom senso, de acordo com a situação fática em exame.
Desse modo, se alguém quer tirar uma foto ou filmar alguém para fazer qualquer tipo de transação, ou publicação, com finalidade comercial, convém sempre obter previamente “uma licença de uso de imagem” ou “um termo de autorização de uso de imagem”, que seja bem detalhado, considerando (i) a finalidade a que se destina o uso da imagem, que devem ser minuciosamente descrita; (ii) se será possível o uso da imagem com cópia, comercialização e reprodução, por exemplo; (iii) se essa licença ou autorização será gratuita ou onerosa, sendo que se for onerosa a precificação e a forma de pagamento devem estar claras; (iv) a abrangência territorial, se será em um determinado país ou será mundial; (v) se será perpétua, irrevogável, irretratável.
Como cada caso é um caso, procure sempre o seu advogado e explique o que se pretende realizar com as imagens e registros, para que ele possa redigir o documento mais apropriado ao seu caso, isso pode lhe evitar muitos problemas no futuro.
Foto da Capa: Ott Maidre/Pexels