Odon Frederico Cavalcanti Carneiro Monteiro. Ou Odon Cavalcanti. Ou Odon. O protótipo do que perdemos de melhor. Foi psiquiatra, professor da UFRGS. Fui seu aluno na Fundação Universitária Mário Martins, seu colega na Faculdade de Medicina da Ulbra e nas Semanas do Bebê, de Canela, evento que organizava com Salvador Celia, e que marcou a saúde mental infantil no RS, no Brasil e no mundo.
Odon falava de forma brilhante. E escrevia. Escrevi com ele meus primeiros artigos, incluindo um chamado ‘As cores camaleônicas da observação de um bebê’. O título era dele. E o protótipo justo este. Odon poderia ficar dissertando por horas, tinha o que mostrar, bala na agulha, areia no caminhão de seus conteúdos. Chegava ao brilho da forma e ouvi-lo era uma grande viagem. Mas, na contramão das tendências contemporâneas, Odon gostava mais de ouvir o outro. Era um espectador nato, não pela passividade, mas pelo real interesse pelo outro. Se ouvir já é a marca da empatia, ouvia com empatia. Não tinha problema de autoestima, fazia-o por ser um entusiasta da alteridade.
Foi quem me estimulou a expressar minhas ideias, porque costuma ser assim. Se hoje mostramos a cara, é porque, um dia, alguém disse com confiança: “Mostra”. Fazia-o de forma indireta, saboreando o que lia ou ouvia, porque pedia. Eu não era o único, ele o fazia com gerações que por ele passaram como alunos, amigos, colegas. Tipos assim não existem mais. Hoje todos expõem desesperadamente seus egos inflados. Não em janelas, mas em telas. É da cultura contemporânea. Que o façam, há coisas boas no meio de tanta bobagem. O que não existe mais é quem possa vibrar com elas como Odon vibrava. Odon ouvinte. Odon balizador. Odon testemunha.
Foi-se com ele o principal aspecto que perdemos em nosso tempo narciso. Precisamos do outro para validar quem somos, o que é impossível num mundo desesperado por validação e visibilidade de quem já deveria se sentir suficientemente visto. Quanto ao social e realmente invisível, Odon o via também. Eu o vi de relance, num dia em que íamos juntos para a sua casa, na Zona Sul (a ideia era fumar um charuto e, se desse, escrever um texto a quatro mãos), e um menino triste e descalço pediu alguma coisa pelo vidro do carro parado no sinal da Wenceslau. Odon ouviu, olhou, depois seguimos o caminho com seus olhos marejados e os ouvidos ainda intactos de ouvir, apesar do eco desesperado daquela voz de criança.
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Foto da Capa: Acervo pessoal