Semana passada, no meu treino, uma menina olhou para mim durante a sequência de exercícios e soltou um: “Ser mulher não é fácil.” Ela estava numa sequência de agachamentos e eu em uma sequência de afundos de perna. Ou seja, exercícios que são bastante exigentes. Mas fiquei pensando sobre aquela frase solta como uma confissão e empatia entre nós duas. E pensei mais ainda… ela está falando de padrão estético, padrão social, padrão de beleza e de todos os esforços femininos para esta busca que nos afeta direta ou indiretamente todos os dias, para expressar a tal perfeição machista. Fiquei surpresa também porque ela parecia ser bem jovem, mas aí me lembrei que a geração Z é a mais afetada por todos os impactos decorrentes das tecnologias em suas saúdes mentais.
Há uma semana o filtro Bold Glamour do Tiktok viralizou com mais de 300 milhões de visualizações em hashtags e está gerando polêmicas e conversas sobre disformia facial e saúde mental de mulheres. O filtro faz uma harmonização facial online com efeito hiperealista, onde rejuvenesce a pele e ainda simula um rosto maquiado.
Ao mesmo tempo que os resultados surpreendem por gerar um efeito eficiente sem que a pessoa precise fazer nada físico, discussões sobre a padronização do que seria a definição de “belo” também ganham destaque.
O cirurgião plástico Wendell Uguetto, membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica e do Hospital Albert Einstein, em entrevista para o UOL, analisou imagens de antes e depois do uso do Bold Glamour e se mostrou preocupado com o impacto deste tipo de filtro como um estímulo para que mulheres busquem atingir esse padrão de beleza que PARTE da sociedade estabeleceu. E alerta que filtros assim podem provocar dismorfias faciais, que é quando a pessoa se sente insatisfeita com o próprio rosto e vive numa busca incessante pela perfeição.
Uma pesquisa encomendada pela Allergan Aesthetics, empresa tratamentos estéticos médicos, mostrou que 94% dos brasileiros concordam, parcial ou totalmente, que o uso exagerado de filtros pode levar a uma diminuição da autoestima. Além disso, 60% das pessoas se espelham em referências estéticas irreais e 58% afirmaram que o nível de cobrança estética se tornou irreal devido ao uso exagerado de filtros.
Foram ouvidas ao todo 650 pessoas, em oito capitais brasileiras, sendo 24% homens e 76% mulheres, entre 18 e 50 anos. A pesquisa foi realizada entre maio e junho de 2022.
O uso exagerado dos filtros não só prejudica a saúde mental das pessoas, como também impacta na rotina delas: 63% dos entrevistados na pesquisa conhecem ou ouviram falar de alguém que já tenha deixado de sair de casa ou de ir a algum encontro por não querer ser vista na “vida real”, ou seja, sem os filtros de imagem.
Outro ponto levantado pela pesquisa mostrou os públicos mais afetados pelos impactos do uso frequente dos filtros. Dentre os voluntários que responderam à pesquisa, 70% acreditam que pessoas mais jovens são as mais suscetíveis aos problemas causados pelo uso excessivo dos filtros nas redes sociais e 67% entendem que as mulheres estão mais expostas a esses problemas.
Vamos mergulhar mais um pouco… as disformias corporais, onde se inclui as faciais são um transtorno obsessivo compulsivo na psiquiatria médica. As pessoas que sofrem do transtorno não conseguem deixar de pensar em um aspecto que consideram um defeito físico – algo que frequentemente as outras pessoas nem chegam a ver – e tratam de escondê-lo ou modificá-lo de forma repetida e obsessiva. Com isso, eles vivem em um estado de ansiedade permanente, com pensamentos intrusivos constantes e comportamentos de difícil controle.
Olhe na sua volta ou mesmo para você, e quantas vezes você conhece ou se sente mais confortável com um filtro não aceitando seu rosto ou corpo? Eu olho nas minhas redes e vejo várias mulheres assim que só postam com filtro, e passam a investir em harmonizações faciais sucessivas em busca de um padrão de nariz, de boca sob o mantra de que faço o que eu quiser e o que é melhor para mim. Porém, não se dão conta que estão agindo sob pressão estética ou até mesmo por um transtorno de disformia. Mas fico mais preocupada de verdade quando vejo adolescentes e jovens com verdadeiras fobias de suas imagens reais. Outra pesquisa da marca Dove mostrou que 85% das meninas usam apps para retocar sua imagem a partir dos 13 anos.
Quando lembro daquela garota na academia realmente tenho que concordar com ela: Ser Mulher não é fácil. Pressão estética, beleza padronizada, violência doméstica, sobrecarga de trabalho, maternidade real, economia do afeto, machismo, convivência com masculinistas, desconstrução de competitividade entre mulheres, teto de vidro, violência sexual. Feminicídio e ainda ter que ouvir a mulher do Sorocaba dizer que não acha certo a foto da Rihanna na frente do marido porque mulher tem que ser submissa. Realmente não é fácil. Nunca foi. Mas em 2023 está um pouco mais “casca” para nós e para vocês que estão se desenvolvendo.
E nesta semana vem mais um dia da mulher e terei que ver posts de mimos e mensagem de parabéns guerreira… Nem vou comentar por educação. Se você não entendeu… volte ao início do texto e pare na frase: Não é fácil ser mulher.