Possuímos os arranjos familiares mais diversos possíveis: a família de casal com filhos, da mãe ou pai solo, do casal LGBTQIA+ ou não, sem filhos, dos unipessoais, e das famílias estendidas (onde avós, enteados, tios, sobrinhos moram juntos). Porém, apesar dos inúmeros modelos, comum entre eles é que a atividade do cuidado geralmente exercida por uma mulher. No entanto, apesar do aumento da participação feminina nas atividades econômicas, as mulheres continuaram sendo as principais responsáveis pelas atividades de cuidados, pois a participação masculina nesta esfera não acompanhou o crescimento da mulher no mundo do trabalho.
A nova forma das famílias
Nas últimas décadas houve uma mudança de estrutura nas famílias. Anteriormente elas eram “horizontais”, pois como os casais tinham muito filhos, esses filhos se revezavam nos cuidados aos mais velhos. Hoje com o menor número de filhos e a maior longevidade, as famílias se tornaram “verticais”, e várias gerações convivem simultaneamente. Como resultado desse movimento, o IBGE divulgou dados do Censo 2022, nessa quarta-feira, em que a queda na média de moradores por domicílio no país passou de 3,31, em 2010, para 2,79, em 2022. Ainda que todos os estados tenham registrado queda nessa média, a menor média ficou com o Rio Grande do Sul (2,54), Rio de Janeiro (2,60) e Espírito Santo (2,67).
Nova família, mas nem tanto…
Estudo divulgado pelo IBGE em 2020 apresentava que enquanto mulheres dedicavam 21,4 horas semanais para afazeres domésticos, homens realizavam 11h. Com relação a atividade de auxílio nos cuidados pessoais (que inclui alimentar, vestir, pentear, dar remédio, dar banho e colocar para dormir), que fazia parte do mesmo estudo e medida à parte, 85,6% das mulheres realizavam essa tarefa, enquanto a taxa encontrada entre os homens foi de 67,9%.
Todos cuidamos
Todos os seres precisam de cuidado em algum momento de sua vida, de uma abelha a uma alface. Um cacto se não for cuidado, morrerá. Nós, humanos, já precisamos, estamos precisando ou precisaremos de cuidado em algum momento de vida e em alguma dimensão dela. Seja nas nossas relações afetivas individuais, familiares, de trabalho, na sociedade. A cada dia, cuidamos para nos alimentar, vestir, para que possamos viver no mundo o melhor possível. Cuidamos dos outros e de nós mesmos, e os outros cuidam de nós. Vamos ao restaurante e compramos comida preparada por alguém para o jantar. Esperamos que o lixo seja recolhido por outras pessoas. Os serviços de segurança pública cuidam da nossa proteção. Os semáforos (ou faróis ou sinaleiras, de acordo com a região do Brasil que você mora) são cuidados pelo departamento de trânsito. Toda essa atividade de cuidado está constantemente acontecendo ao nosso redor. É tão onipresente que nem pensamos sobre isso. A gestão do cuidado faz parte do cotidiano das pessoas. No entanto, tem sido historicamente vista como atribuição das famílias, em especial das mulheres.
Se o cuidado permeia a sociedade, por que atribuímos principalmente às mulheres a gestão do cuidado? Por que enxergamos o cuidado como um atributo “feminino”, se presente ele está em diversas atividades do nosso cotidiano?
E o futuro?
Olhando para frente, segundo o relatório das 10 megatendências de consumo publicadas pela Euromonitor International em 2022, a população global com mais de 60 anos aumentará 65% de 2021 a 2040. Para o Brasil, a projeção é de que em 2040 o país será o 5º mais envelhecido do planeta. Hoje, 63% da população brasileira já tem mais do que 30 anos, conforme dados deste Censo mais recente. Ou seja, viveremos nos próximos anos desafios ainda maiores com relação ao cuidado das pessoas. Com relação a nós. É tarefa para pensar e fazer.
Precisaremos encontrar soluções individuais, coletivas e, com certeza, nas políticas públicas. Até agora, fizeram achar que nós, as mulheres fortes, guerreiras, que se “viram nos trinta”, conseguiriam lidar com os cuidados da casa, seus mais novos, mais velhos e o trabalho! Mas ser “filha/o sanduíche” (a pessoa que cuida concomitantemente dos filhos, pais idosos e, às vezes, também dos avós) já é uma realidade e nos mostra que, com menos irmãos para dividir as tarefas de cuidado, a nossa saúde física e mental está a um fio!
Topa?
Te convido a aceitar a atividade de cuidado como algo para ser exercida por toda sociedade, homens, mulheres, jovens, adultos e mais velhos, juntos e colaborativamente. Comprometendo-se a ensinar a cuidar desde a infância, seja menino ou menina. Pensar em soluções conjuntas, cidadãs. A ação de cuidar faz parte da experiência humana. Mas não é humano sacrificar e penalizar as mulheres.
Foto da Capa: Freepick