“Uma vez usei uma expressão na mídia que se espalhou por todo lado: o futuro é ancestral. Foi uma resposta que dei a uma pergunta sobre futuro. Foi uma prospecção, porque, na cultura do Ocidente, o napa pensa que o futuro é um outro lugar. Não aqui, nem agora. O futuro é uma parábola sobre uma coisa que não existe. Ninguém pode vencer o amanhã, o amanhã não está à venda. Quando você cogita alguma coisa que não pode acontecer aqui e agora, só depois, você está fazendo um jogo, é um bingo: vamos ver se dá. O futuro é: vamos ver se dá pra gente parar de comer a terra? Vamos ver se dá pra gente ser sustentável? Vamos ver se dá pra gente inventar uma outra narrativa sobre nós e o mundo para que a gente continue comendo a terra?”, disse Ailton Krenak.
Início este texto para esta segunda-feira seguindo a linha de pensarmos sobre ancestralidades e trago este trecho de Krenak, ambientalista, filósofo, poeta e escritor brasileiro do povo indígena krenak, e hoje uma das grandes vozes sobre este contexto de crises e pós-modernidade que criamos enquanto sociedade.
Na sexta passada, no meu scanner de notícias, saltou uma matéria no valor econômico sobre a frase síntese de uma pesquisa desenvolvida pela consultoria Ana Couto Branding, com 2.500 pessoas no país: “Adoro ser brasileiro, mas quero ir embora.” Quando li isto me lembrei de frases da elite brasileira nos anos 90 sobre a saída do Brasil ser o aeroporto e fiquei pensando… ok!! Mas vão ir para onde? Viver como? E que tanto amor é este em ser brasileiro se não conseguem se responsabilizar por suas atitudes do agora que construíram este presente e futuros?
E quem fica no Brasil? Se estes que responderam à pesquisa querem ir embora? E me lembrei de narrativas de futurismo pessimista que estão rolando, e/ ou de narrativas distópicas super bem retratadas na ficção do filme Medida Provisória.
Onde é este lugar melhor? Quando se sabe que os países europeus e anglos saxões, o racismo além da cor da pele tem mais uma camada de xenofobia e rejeição por origem… O brasileiro admira o nacionalismo americano e europeu, mas não consegue se enxergar como um povo com capacidade de criar soluções para deixar de ser apenas um país da esperança e do futuro.
A fala de Ailton vem como uma flecha quando leio uma notícia destas… e olho o cenário como mulher negra, brasileira que poderia optar pelo mesmo caminho, mas me recuso, pois entendo que existe potência neste país. Na cosmovisão indígena e africana, nós somos os ancestrais do futuro e seremos julgados ou honrados pelas gerações que virão sobre as atitudes que tomamos hoje. Que mundo você está agindo e construindo para deixar para seus filhos, netos, comunidade no futuro? Um mundo caótico sem solução ao viver só no imediatismo? Com todo respeito as escolhas de cada um, mas só se torna ancestral quem tem legado. E minha reflexão é que legado é a soma de uma trajetória desde o nosso nascimento até o último dia. Ancestralidade para a cultura africana é mérito de ação de uma vida positiva para todos.
Quando diz que “o futuro é ancestral”, Ailton Krenak exprime que não teremos futuro sem o resgate das cosmovisões sustentáveis do passado. Privado de natureza, sono, sonho, alimentação, exercício físico e relações humanas de qualidade, o homem branco se enfiou num beco existencial e ecológico que parece não ter saída. Entre as capacidades ancestrais que precisam ser recuperadas, o sonho tem lugar central.
A sociedade dos brancos desaprendeu a arte de sonhar, que exige memória, intenção, interpretação e coletivização das imagens oníricas pela narrativa ao despertar. Segundo o xamã ianomâmi Davi Kopenawa, “Os brancos não sonham tão longe quanto nós. Dormem muito, mas só sonham com eles mesmos”. A atrofia da capacidade de sonhar reflete o sequestro do desejo pela relação desmedida com as mercadorias. Chegou a hora de curar nossos piores instintos, nutrindo os melhores. Se quisermos durar, temos que mudar.
A sabedoria indígena vem avisando, o povo originário do Brasil que precisamos sonhar mais longe, mais alto, que é preciso voltar a sonhar em coletivo e não apenas querer ir embora do Brasil.
Com o que você tem sonhado ultimamente? Se resgate, volte a sonhar é o recado ancestral para que possamos ter futuros.