Por muito tempo alimentei a ilusão de que o mundo andava só pra frente, que a palavra evolução só tinha a conotação positiva. Viés de personalidade otimista. E avançamos muito nas últimas décadas, afinal. Nos anos 1960, veio a revolução de costumes no mundo e no Brasil. A indústria cresceu. Automóveis. O divórcio foi aprovado em 77. Saímos de uma ditadura para uma democracia nos anos 80. Nova Constituição. A oferta de consumo estourou, surgiram shoppings, lojas de conveniência. A qualidade da alimentação melhorou. A consciência ambiental. A saúde deu saltos gigantes e passamos a viver mais e melhor. A expectativa de vida brasileira cresceu 26,6 anos, passando de 48 anos, em 1960, para 74,6 anos, em 2014. Que progresso.
Desconfiei que estava errado na minha perspectiva de evolução positiva quando chegou a moda das calças saruel, um tipo importado pelo ocidente de vestimentas similares do Oriente Médio e do Marrocos, que faz parecer que a pessoa entrou dentro de um saco de batatas e furou embaixo só para os pés saírem. E quando pensei que nada pior poderia vir, surgem as calças masculinas cropped (encurtadas). Justinhas, acima das canelas, para usar com sapatos… sem meias. OK, moda não é meu forte mesmo.
Depois veio a música. Sem querer ser saudosista, veja a evolução da MPB nos últimos tempos. Avançamos de Chico Buarque para Gustavo Lima. De Caetano para Victor & Matheus. De Gal e Betânia para Maiara & Maraísa. De Gil, Milton, Barão Vermelho, Cazuza, Paralamas, Legião.. Ok, sei que aí tem uma discussão sociológica mais complexa. Mas, assim, fui confirmando meu equívoco de avaliação.
Vamos adiante. As palavras. Confesso que tenho um pouco de saudades do verbo ‘estar’. Até os Globais já conjugam sem cerimônia o verbo ‘tar’. Tô, tá, tão, tavam. E Hamlet, o que diria? “Ser ou tar, eis a questão?” Não quero parecer pessimista, que só andamos pra trás, como já insinuei, sou um otimista incorrigível.
Gosto da contração da preposição para em ‘pra’. E, veja, há palavras que desapareceram para o bem. “Sirigaita” (uma rapariga desembaraçada, diz o dicionário) é um termo machista e misógino que nunca deveria ter existido. Assim como pederasta – ouvia isso quando era criança -, que significa homem que tem relações com pessoas mais jovens do mesmo sexo. Ou seja, um conceito nojento que mistura homofobia com pedofilia.
E quatro anos atrás, quando o sacripanta (velhaco, patife, indigno) começou abrir o saco da selvageria, achei que a civilização estava perdida. Pensei em ir morar numa praia remota, pra sempre. E quando nada mais poderia ser possível depois do 8 de janeiro, surgiu o genocídio dos Yanomanis. Ânsia de vômito foi pouco. Onde estava toda a rede de cuidados dos povos indígenas?
Não há bem que sempre dure, nem mal que nunca se acabe…diz o provérbio. E, enfim, a vida segue e o mundo é mesmo redondo. O novo governo, como todo novo governo, ainda precisa mostrar mais que veio para além da retórica.
Mas, por ora, ver Lula nos confins de Roraima, um presidente da República em pessoa, com toda a simbologia de humanidade e sensibilidade que isso representa, ladeado pela Sônia, do Povo Guajajara/Tentehar, das matas da Terra Araribóia do Maranhão, a primeira ministra dos Povos Originários em mais de 500 anos de história do Brasil, foi um alento. E me faz acreditar que talvez eu não estivesse tão errado, não era uma ilusão. O mundo avança sim. Foi apenas mais uma pedra no caminho.