Os esportes, praticados por humanos, compõem algumas de suas metáforas mais complexas. E o futebol oferece as mais populares. Difícil vermos algo nele que não represente um aspecto essencial da vida humana. A metáfora de que precisamos brincar para crescer. Disputar. Competir. O senso de equipe. Suar seriamente em tudo isso. A chance de mudar de classe social, e assim por diante. Cada manifestação em torno da bola adentra, no fundo, a própria vida com as suas vicissitudes.
O time do Grêmio evoca hoje a metáfora da causa-consequência. Ela não é simples, tampouco linear. Humanos, somos complexos. Por isso, vários fatores ativos num determinado momento cobram o que haverá de inatividade depois. Depois, no caso, é agora, daí este cuidado que todo presente precisa ter para não sofrer no futuro. Futuro, no caso, é agora. Eis a dura realidade e a sua ferina metáfora.
No passado, Renato Gaúcho mandou muito bem, quando ainda lhe cabia um pouco de humildade e pôde contar com craques animados da base como Luan e Arthur. A direção do clube estava a postos e era autônoma. Havia contratado aqueles dois que, então no seu auge, formavam uma das maiores zagas que já se viu jogar: Kannemann e Geromel. O resto eram detalhes agregando no meio-campo e no ataque. E o Grêmio conquistou, novamente, o Brasil e a América.
De lá para cá, degringolou. E como! A direção outrora interessada desistiu de trabalhar a sério, movida agora por outros interesses menos esportivos. Renato foi engordando cada vez mais o ego e a conta bancária. As suas qualidades sumiram, em meio ao defeito da arrogância. Treinava pouco, estudava nada, já mandava na nova direção, igualmente refém do seu narcisismo.
O Grêmio tornou-se um time amador. Dedicava-se pouco, movia-se mal, contratava pior ainda. Uma estatística dessas contratações revelaria uma peneira completamente entupida. A equipe ignorou que escolher jogadores havia se tornado uma atividade científica e não o fruto de uma só cabeça inflada. A lista, encabeçada por Nathan, o pescador, daria conta de um texto inteiro. O resultado fez do Grêmio um time hoje desequilibrado. Não conta com um goleiro confiável, faltam-lhe laterais, zagueiro, armador, entre outras deficiências visíveis a cada partida. Resta reclamar de penalidades máximas dadas ou não dadas, ao final da partida, mas é preciso um mínimo de competência no começo e no meio para não dar chance ao azar ou ao roubo. Como dizia um célebre jogador de golfe, eu treino muito para ter sorte. Sorte realmente não combina com incompetência.
Falta ao Grêmio, sobretudo, seriedade. Já não impõe respeito a ninguém, toma gols à revelia, joga muito para conseguir fazer algum. Sonolento, acumula vexames em várias competições, e a direção, tentando acordar, tenta mexer na ponta da engrenagem. Muda o técnico, trazendo a grife e a excelência de Mano Menezes, sob a companhia do histórico Felipão. Não basta. Não muda. Algo da estrutura foi corroído de verdade pela metáfora, essa de que sempre somos responsáveis por determinadas atitudes que, não tomadas, vão nos cobrar mais adiante. Agora é o mais adiante. O Grêmio ruma na direção da quarta queda, onde encontrará, clara e terrível, a metáfora de se levantar outra vez.
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Foto da Capa: Grêmio / Divulgação