Música de amor ao fundo, daquelas de dançar de rosto colado lá na década de 1980, e os apresentadores do programa de rádio gargalhando solto. Dava gosto ouvir as risadas e aumentei o volume para entender o motivo. Trata-se um quadro em que eles compartilham com ouvintes e internautas as mensagens “amorosas” dos haters nas redes sociais da emissora. A trilha romântica, claro, é pura ironia com tantos “bons sentimentos” enviados pelos “odiadores”. Tem de tudo, a começar por manifestações ferozes ao posicionamento crítico dos jornalistas, apontando incongruências na esfera política. E a terminar com desaforos em relação à aparência física dos profissionais, em especial (e tão previsível) dAs jornalistAs.
Com as transmissões simultâneas das rádios na Internet, acabamos conhecendo a cara das “vozes do rádio”. E os haters, dedicados que são a xingar, chegam furiosos tentando ofender, inclusive fisicamente, as mulheres. Mal sabem os odiadores de plantão que nós andamos cada vez mais seguras. Não é que o “bullying virtual” ou “cyber bullying” seja inofensivo para todo mundo, longe disso. Mas falar mal da aparência física para mulheres poderosas como aquelas, com trajetórias profissionais consolidadas, só faz rir. É primário demais isso para quem é reconhecida no mercado, tem consciência do talento pessoal e vive bem com a própria aparência. Como a equipe do programa de rádio! Só imaginem o tamanho da autoconfiança para criar um quadro chamado Correio Deselegante*. As mensagens são agressivas só que “o feitiço vira contra os feiticeiros” quando os próprios haters acabam motivo de chacota.
Obviamente, destilar comentários negativos e ofensivos contra adultos não se compara ao bulling juvenil, que mira adolescentes naquela encrencada fase de mudanças, quando um comentário maldoso afeta profundamente quem é atingido. Todos conhecemos os efeitos nefastos e trágicos dessa prática condenável. Mas este artigo é sobre os adultos maduros, uma turma autossuficiente, segura de si e da sua competência profissional que, efetivamente, consegue gargalhar do ódio alheio. Os haters de plantão deveriam ouvir o quadro, talvez assim perceberão o ridículo da própria ira, quando destilam seu rancor em comentários públicos tentando desqualificar alguém. Fica tão feio…
No Correio Deselegante, o time de haters acaba desarmado em plena jogada, num contra-ataque com a tática do bom humor. Igual ao efeito de um borrifador de água num espelho, quando o jato borra toda a superfície e não se vê mais o reflexo. Cada risada também consegue borrar o efeito do ódio, ofuscando a mensagem ruim e a energia idem que estavam ali. Na vida real, que cada um de nós acompanha nas próprias redes, as dinâmicas são similares, um hater elege uma pessoa ou causa para odiar e vai com tudo no seu “objeto de não desejo”. Há ainda o que procura disfarçar, aquele que não deixa passar um post, dá sua posição sobre tudo, invariavelmente, de forma provocativa. Sempre convicto da própria opinião, não arreda um milímetro dela, por mais argumentos contrários circulando. Hater que é hater não relativiza, não volta atrás, só tem espaço para sua rígida impressão original. Nenhuma surpresa, portanto, perceber que o hater não sabe… dialogar! Triste isso, em alguns dá vontade de chorar, em outros essa limitação alheia multiplica a fúria e o ranger de dentes. Sei, é difícil, mas rir de um sujeito engessado que é incapaz de qualquer autocrítica, parece mais indicado.
Conheci um psicólogo que costumava orientar nesse sentido diante de situações delicadas da vida e do cotidiano: “Faça humor disso”, dizia, com um leve sorriso, como a mostrar que o riso distensiona até os nossos mais pesados dramas pessoais. O hater, suponho, não teve a sorte de fazer terapia, não tem noção que provoca vergonha alheia nem de quando parar um embate virtual, mesmo apanhando de todos os lados. Segue no “maravilhoso mundo das redes sociais” insistindo em argumentos para manter-se em evidência, caçando alguém de opinião convergente que o ajude a alimentar seus insultos. Não é nada inteligente contaminar-se, melhor deixá-lo falando sozinho ou dar-lhe um belo “block”. Melhor ainda é buscar motivos para gargalhar, como naquele simpático programa. Este é o antídoto para as intermináveis discussões virtuais porque, no fundo, o hater preferiria estar feliz numa conversa de bar. Mas faz aquele barulho todo porque precisa de palco e atenção que creditem a ele alguma importância. Bem no fundo, o hater precisa é de amor.
*O quadro Correio Deselegante é no Jornal BandNews, da rádio Band News FM, com a apresentação dos jornalistas Luiz Megale, Carla Bigatto e Sheila Magalhães.
Daniela Sallet é jornalista e documentarista